O penúltimo miado.
O seu ódio pelos humanos é totalmente compreensível e justificável.
Ainda filhote, teve que aprender a lidar com o medo e com o sofrimento em um ambiente repugnante, pelo menos para ele. Em uma creche.
Naquele lugar, acreditava que seria sacrificado a qualquer momento logo após uma canção infantil que dizia “atirei o pau no ga-tô-tô, mas o ga-tô-tô, não morreu-reu-reu.” Uma melodia que foi obrigado a ouvir dia e noite, que instigava a ordem da violência e da maldade em nome da diversão.
Para aumentar ainda mais a sua ira, o seu encontro com os pequenos monstrinhos eram sempre marcados pela humilhação e pela dor. O seu rabo virou o brinquedo preferido da molecada. Já o seu bigode era alvo constante de mãozinhas assassinas que arrancavam cada pelinho sem dó.
Foi também submetido a intermináveis sessões de hipnose, em que passava horas percorrendo um pontinho vermelho de laser no chão. Quando voltava ao mundo real, estava com o corpo todo dolorido e o pior: sem se lembrar de nada do que aconteceu.
As injustiças reinavam naquela prisão. O jeito era fugir de todas aquelas atrocidades e tentar a sorte em um outro lugar.
Durante a sua desesperada fuga, até tentou encontrar um novo lar, mas o que sempre ouvia era “saia daqui”, “suma.” Por causa do misticismo ao redor da sua cor, de uma hora para outra virou o símbolo do azar.
Que mundo cruel. Quanta maldade.
O felino está agora abandonado e esquecido. Não tem um lar, um carinho, uma lã para brincar. Os humanos acabaram de vez com todas as suas esperanças.
A única decisão que resta é ir dessa para uma melhor. O bichano está decidido a acabar com as suas mágoas da pior maneira que existe.
Uma trágica escolha que não dará muito certo. Mesmo que coloque um ponto final na sua própria existência, este gato sabe muito bem que será obrigado a passar pelas mesmas crueldades tudo de novo, afinal, ainda vão lhe restar mais seis vidas.
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