A MARIPOSA E A BORBOLETA

Havia no final de uma rua um pouco deserta, uma casa antiga com portão em grade de ferro fundido que deixava ver um lindo e bem florido jardim. Mesmo à noite, com a pouca iluminação de alguns postes próximo à casa, podia-se admirar aquele jardim destacado pela luz de uma luminária no teto de sua varanda.

Certa noite, rodava em torno da luminária, uma mariposa cinza-marrom peluda que de vez em quando caía no difusor de luz – uma pequena bacia de vidro branco leitoso suportado por garras que o posiciona bem próximo ao teto verde clarinho da varanda. A mariposa que na verdade era um macho, batia suas asas com vigor e logo saía daquela pequena quentura. O espaço entre o teto e o difusor era o suficiente para que a brincadeira de entrar e sair durasse horas.

Ao raiar do dia seguinte não se via mais a mariposa. Sempre conseguia um cantinho escondido para cair no sono e não ter contato com uma luz maior, a luz do sol. Era possível ver o pó amarronzado espalhado pelo chão, logo abaixo da luminária, eram as escamas pulverizadas de suas asas, demonstrando que aquela brincadeira o desgastava muito. Por sorte, a luminária era dessas cuja lâmpada é das econômicas que não esquentam muito e que a luz parece mais com a azulada luz da lua dessa época. Talvez isso seja a razão desse aprisionamento, a de que a lua esteja tão perto desse moribundo, que seu voar toma forma espiral, e esse entrar e sair da luminária seja uma coisa mais séria que uma simples brincadeira noturna de entra-e-sai.

A varanda onde a sua lua de brinquedo está, dá para o pequeno jardim florido de margaridas amarelas e brancas, crisântemos e rosas vermelhas, por onde costumam passear lindas borboletas coloridas de todos os tamanhos e variadas estampas. Certas épocas do ano, dois mundos bem agitados se formam: o dia colorido das graciosas borboletas que brincam por sobre as flores do jardim banhadas pelo loiro manto do sol matinal, e a noite das mariposas com seus zig-zags em volta das luzes dos postes da rua e em volta dessa luminária, tão mais próxima do jardim. Vez em quando uma delas cai tonta como num clímax de acasalamento.

Contudo, nessa noite, as estrelas se esconderam. As luzes dos postes da rua, solitárias, iluminavam mais distantes da casa. Iluminava mais clara, porém, aquela lâmpada do jardim como se fosse a própria lua dessa noite tão silenciosa. E lá estava, na parede, imóvel, a mariposa macho com suas antenas curtas e peludas a mirar sua lua de brinquedo, prestes a içar seu vôo espiral em mais uma brincadeira do entra-e-sai. Parece que dormira bem, pois o jardim estivera especialmente silencioso durante todo o dia.

Horas antes, ao entardecer, estranhamente, uma linda e solitária borboleta desenhava um vôo errôneo entre as flores que aproveitavam a luz quase vermelha do resto do dia. Era uma imponente borboleta-monarca com suas asas cor laranja, avivadas pelo céu que refletia o esconder do sol por trás da montanha. O vívido laranja de suas asas contrastava mais ainda tanto os finos ramos pretos que lhe percorriam toda a envergadura, quanto as manchas brancas mergulhadas na barra também preta da borda daquela encantadora vestimenta.

Mesmo vestida como se estivesse preparada para um importante baile nupcial, a linda borboleta cambaleava de cansaço. Parecia ter feito uma longa viagem de migração e precisava muito descansar. O sol se pôs, a escuridão só não tomou lugar porque a luminária acende-se automaticamente ao escurecer do dia. Entretanto, aquela linda borboleta estava vulnerável como uma moça despojada no chão da varanda. Alçou, então, um desnorteado vôo na direção daquela luz que lhe parecia familiar, e caiu na bacia da luminária e ali adormeceu.

A mariposa macho, quase camuflada ao revestimento ocre de pedra da parede da varanda, percebeu o vulto que passara em direção à luminária. Sua lua particular estava, agora, habitada por alguém diferente. A mariposa tomou uma direção e voou, mas foi puxada mais uma vez por sua lua florescente e iniciou seu movimento circular encurtando cada vez mais o raio em volta dessa luz. Cada vez que completava uma volta, percebia um certo vulto dentro da bacia da luminária. Até que lá pelas tantas, se deixou pegar pela luz. Agora, não só pelo seu brilho, mas também por aquela intrigante mancha escura na bacia, e caiu na luminária como se fosse abraçar sua querida lua.

Foi a primeira vez que a mariposa macho se colocava frente a frente com tão rara beleza. Aquela maravilhosa borboleta fêmea, com um estonteante colorido acentuado pela luz fria da lâmpada florescente e nunca antes contemplado por ele, criava um clima extraordinariamente lindo: uma noite silenciosa sob a calma luz de um luar particular e diante de uma criatura tão meiga e bela como a borboleta-monarca. Como numa mágica natural a borboleta moveu suas asas e, aí, rolou feromônio e o amor tomou todo o espaço com o colorido das lepidopteras sob o aroma de rosas. Por alguns instantes, ele se achou no paraíso, sentindo que todo seu eterno rodopiar valera a pena. Ela, também, sentindo que todo seu esforço de migração lhe presenteara com aquele vislumbrante espécime, não podia se deixar levar pela desistência e, assim, movia as asas lentamente.

Todavia, um leve vento dessa noite quase imóvel e morna, inesperadamente, mudou o aroma do clima da luminária. Tomou conta um cheiro mais intrigante, o cheiro dos crisântemos. Intuitivamente, ele percebeu a lentidão do bater das asas daquela fada como um pedido pela vida. Diante da situação, bateu suas asas numa tentativa de resfriar aquela companheira que já havia estado por muito tempo sob o acumulado calor da luminária. Vendo que teria que resolver aquela perigosa situação imediatamente, passou a fazer um vôo frenético no curto espaço entre a lâmpada e sua amada. Deu certo. A linda borboleta foi empurrada pelo sopro das asas da mariposa macho e, de asas abertas, mergulhou no espaço num planar quase em parafuso. Ele, em seu frenesi, também mergulhou no espaço tomado pelo cansaço da luta pela vida de sua amada. Após percorrerem aquela distância num cair lento, quase eterno para os dois, viram-se no piso branco da varanda, um ao lado do outro sobrevividos.

O sol já despontava no horizonte, agraciando todo o jardim com seu banho matinal. As flores reluziam todo o brilho de suas cores, um verdadeiro prenúncio de manhã de fasta das lepidopteras do jardim. Mas, a borboleta monarca de fôlego já um pouco recuperado percebeu que seu impetuoso parceiro, salva-guarda de sua delicada vivência, não se movia, mergulhado num profundo sono. Num gesto milagroso de sobrevivência, a borboleta arrastou seu amado para um cantinho escondido do jardim e o admirou por todo o dia.

Mais uma vez, o vermelhidão do sol anunciou o fim do dia. A lâmpada da luminária se acendeu e, finalmente, descansado, o herói daquela linda fada despertou. A mariposa macho, então, vê sua bela amada adormecida ao seu lado. Tomado pelo desejo de vê-la bater as asas, não obedeceu mais ao chamado de sua lua florescente e permaneceu ao seu lado durante toda aquela noite. Assim, os dois permaneceram um ao lado do outro.

No entanto, ficaram como a noite e o dia, condenados a nunca se verem despertados, pois a noite tenta abraçar o dia, mas o amanhecer a aprisiona e toda vez que se faz livre, o entardecer já o levou. Até que um dia o vento leve da manhã espalhou pelo chão da varanda um pó marrom-laranja que em seguida flutuou cintilante diante das três paredes daquele recinto e por entre borboletas brancas vindas do jardim que dançavam uma cantiga de amor.