Uma viagem inesquecível - A Grande Aventura - Capítulo 6 - Divindade perigosa

Pero acordara animado no dia seguinte, esperando que mais novidades viessem a aparecer para que ele pudesse relatar, mas sua alegria durou pouco. Os dias seguintes que se passaram foram monótonos e sem novidades, o mar estava calmo e não dava sinal de haver terras por perto. Ele já estava completamente desapontado, esperava que aquela viagem fosse uma verdadeira aventura, ele ouvia tantas histórias fenomenais dos marinheiros e, no entanto, parecia ser tudo falácia.

Estava sentado na proa de frente para o mar, na ponta mais alta do barco. Reservara-lhe o direito de possuir aquele lugar como seu para admirar aquela imensidão azul e pacata.

Já era noite, o céu estava repleto de estrelas e a lua estava amarela e imensa, linda de se admirar, ele se detinha a imaginar o que seu velho pai estaria fazendo, como as pessoas do vilarejo estariam naquele exato momento, se sua doce Isabel ainda o amava, se ainda estava esperando-o, se não se apaixonara por nenhum jovem rico e bonito, quando se deparou com uma leve movimentação na água.

Devia ser o sono, ele bocejou, balançando a cabeça e afugentando as ideias, iria para a cama, ganhava mais indo dormir do que ficar ali mirabolando besteiras.

Se levantou decidido a não pensar em mais nada, quando viu novamente a água se agitar, criando pequenas ondinhas que terminavam batendo na lateral da caravela.

Ele se debruçou, tentando enxergar alguma coisa, nada. Estava ficando realmente louco. De repente viu a calda de um peixe brilhante e colorido se debater e sumir nas profundezas escuras do mar.

Ele olhou para os lados, precisava de uma segunda opinião. Viu um homem magricela de rosto encardido e roupas sujas a andar com um balde em mãos.

—Hey, você! Venha cá!

Ele berrou para o mancebo, que voltou os olhos na direção dele.

—Eu?

Falou baixo e confuso para Pero, olhando para os cantos à procura de mais alguém.

—É, você mesmo, veja isso!

O jovem se aproximou, colocando o balde no chão e se apoiando na borda junto a Pero, não sabendo ao certo o que deveria olhar.

—Ali, veja, o que é aquilo?

Ele disse, apontando para a água que estava com pequenas ondas e levemente brilhante. Quando um peixe imenso saltou da água, fazendo uma curva no céu e caindo no mar, voltando a nadar, se afastando do navio.

Os olhos de ambos seguiram o grande deslocamento. Uma voz doce, carinhosa e gentil começou a embrenhar-se em seus ouvidos.

Venha, meu amor,

quero você aqui ao meu lado.

Busco apenas a felicidade,

o marujo encantar.

Pero não acreditava no que estava vendo. Era Isabel, e estava linda! De cabelos molhados e soltos, olhava para ele com um sorriso encantador e chamativo.

Queria ir até ela a qualquer custo, mas como ela fora parar ali? Não importava, iria agarrá-la, queria possuí-la naquele instante.

Ela se aproximou lentamente, prendendo seus olhos aos dele, deu um salto e se apoiou na borda da caravela, uma das mãos acariciou o rosto de Pero, fazendo-o ir de encontro ao dela, ele não estava acreditando.

O corpo já estava prestes a cair no mar, sua voz era tão suave e atraente.

É lua cheia, se aproxime,

se alegre marinheiro,

venho aqui para buscar-lhe

quero ver o seu sorriso,

se deixe hipnotizar.

Foi quando ele percebeu que havia algo de errado, os olhos de Isabel ficaram completamente negros e a boca se escancarou num sorriso demoníaco e de lá saiu um berro profundo, as garras dela tentavam a todo custo segurá-lo e arranhar sua pele. Ele se assustou e empurrou o ser diabólico, jogando o corpo para trás, se afastando daquele horror, o coração batia forte no peito, estava apavorado.

Olhou em volta, muitos homens se debruçavam no parapeito, ficando hipnotizados, envolvidos por seres monstruosos.

Eram bichos horríveis de rosto fino, pele pálida e escamosa, os cabelos pareciam algas compridas e amarelas, nariz largo e curto, de bocas com dentes semelhantes à espinhas de peixe e língua áspera, as orelhas lembravam guelras, possuíam grandes e atraentes seios, da cintura para baixo via-se uma grande barbatana colorida, como a cauda dos peixes.

O que eram aquelas coisas afinal?

—Sereias!

Ouviu uma voz berrar respondendo seus pensamentos e logo em seguida um tiro alto ruborizou o local seguido por um grito aterrorizante, acertando um daqueles monstros que caiam no mar, soltando um dos homens que voltava em si.

Era Cabral quem segurava uma pistola em mãos, mirando já em outro ser monstruoso.

O alvoroço foi imenso, homens caiam ao mar desesperados, sendo devorados e estraçalhados, outros tentavam combater e matar com o que tivessem em mãos.

—Levantar âncora, icem as velas! Rápido, o que estão esperando homens?

Cabral berrava, vendo as outras caravelas também alucinadas, tentando combater e matar os demônios.

—Vamos sair daqui! Pero, atire! Ajude-me, ande!

E ao falar isso Cabral se dirigiu para o Timão do navio, para dirigir o mais rápido possível para longe dali. Pero pegou a pistola que carregava na cintura, mirou em um dos monstrengos e atirou, fazendo o bicho cair na água.

—Malditas sereias!

Ouvia alguns homens se juntarem a ele naquela árdua tarefa, berrando blasfêmias incansavelmente.

As traiçoeiras possuíam tridentes que agarravam na carne dos homens e os içavam para o mar, afogando-os sem chance de sobrevivência.

Algumas naus já se afastavam, deixando para trás aquele horror e os pobres que sofreriam as consequências do abandono. Cabral berrava ordens enquanto tentava tirá-los também daquele tenebroso local.

Depois de uma quantia significativa de mortes, finalmente eles se viram distantes o bastante para não serem mais perseguidos por aquelas assombrações. Todos estavam exaustos e respiravam com certa dificuldade, o suor pingava de suas testas e o chão estava empoçado de sangue.

—Capitão, a nau Vasco de Ataíde ainda está lá, senhor!

Pero olhava para a caravela que pegava fogo, os tiroteios eram incansáveis e os berros maiores ainda, os corpos estavam sendo dilacerados e estraçalhados.

—Não podemos fazer nada, se voltarmos seremos devorados.

Cabral respondeu exausto. Ninguém conseguia desviar os olhos daquele terror, os homens estavam sendo comidos vivos por aqueles monstros que fingiam ser tão belos e chamativos e ninguém iria ajudá-los a se salvar. O capitão-mor manteve a rota para longe dali, seguido por todos os outros navios sobreviventes.

Horas depois os homens já estavam mais calmos, limpando a grande bagunça que se tornou aquele barco e Pero foi tirar satisfação com Cabral, afinal, precisaria saber como relatar aquilo para a carta do Rei. Bateu de leve na porta da sala dele, vendo-o sentado silencioso na cadeira, estava pensativo olhando para os mapas espalhados pela mesa.

—Com licença senhor... Mas preciso saber como...

—Eu sei o que você veio fazer aqui, e já vou lhe dizer. Você dirá que a nau se perdeu, não dará mais detalhe algum, dirá que ela simplesmente desapareceu, fomos procurar e não encontramos qualquer vestígio se quer, você entendeu?

Cabral falava em um tom firme, as sobrancelhas vincadas e sérias, o rosto carrancudo e fechado ainda mirando o mapa à sua frente.

—Mas senhor...

Pero não entendia porque aquilo haveria de ser escondido de vossa majestade.

—Nada de mas, faça o que estou mandando ou jogo-lhe para fora deste navio!

Ele berrou esmurrando a mesa à frente, erguendo o rosto para o jovem que assustado se calava, apenas o encarando.

O papagaio que estava dormindo no poleiro acordara apavorado, com os olhos arregalados e logo começou a piar incansavelmente.

—Abandonar navio, abandonar navio! Ah! Ah!

Cabral olhou para o pássaro completamente indignado, suspirou profundamente, passando a mão pelo rosto, voltando a se tranquilizar.

—Olha Pero, eu sei que as suas intenções são as melhores, mas preciso que confie em mim... Por favor, faça o que estou lhe dizendo.

Pero apenas balançou a cabeça em concordância.

—Senhor... Posso lhe perguntar uma coisa, se não for ousadia de minha parte?

O menino falava cabisbaixo, o rosto apreensivo.

—Claro o que é?

Cabral se ajeitava na cadeira, cruzando as mãos em frente à barriga.

—Essas sereias... Senhor, eu não entendo... Eu vi a minha... Hum... Uma pessoa muito querida na minha vida.

O rosto de Pero estava começando a esquentar, ele sentia seu coração acelerando incontrolavelmente.

—Sim... Sereias Pero, se mostram como aquilo que mais desejamos e mais amamos na vida, porém tudo não passa de uma emboscada, na verdade elas são seres monstruosos e horríveis que afogam os corpos dos marinheiros e devoram a carne humana, são demônios amaldiçoados por Deus, nem peixe nem homem. Sua sina é sempre se mostrar bela e formosa, mas na realidade ser abominável e medonha. O que você viu foi apenas uma miragem, seja lá o que tenha sido, esqueça isso, filho.

O menino balançou a cabeça em afirmação lentamente, se voltando para a porta, quando parou e se virou novamente por um instante, os olhos concentrados em Cabral.

—Senhor... Por que o senhor não se encantou? Por que não caiu na armadilha?

Cabral abriu um leve sorriso que Pero não soube distinguir se era de felicidade ou de tristeza, ou um misto de ambos.

—Porque o que eu mais amo, meu jovem, há muito deixou de existir.

Pero engoliu em seco, não sabia se preferia ter ficado calado a receber aquele tipo de resposta. Pigarreou.

—Boa noite senhor.

—Boa noite Pero, durma bem rapaz.

Cabral viu o jovem sair pela porta e se ateve aos mapas novamente.

Pero estava louco para relatar todos aqueles acontecimentos, seria afinal um desperdício não fazê-lo e por mais que tivesse recebido ordens claras para não registrar aquela verdadeira aventura, ele o faria, nem que fosse para guardar para si. Depois, se preciso fosse, passaria a limpo a carta para Vossa Alteza, mas não se desculparia se não descrevesse cada detalhe daquele dia tão único e tão assombroso.

continua...

Jéssica Curto
Enviado por Jéssica Curto em 04/07/2013
Código do texto: T4371239
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