Numa fazenda do sertão nos idos do começo do século XX, havia a necessidade de se construir um açude como garantia de água para o período da estiagem, que dava sinais que aconteceria cedo ou tarde, já havia dois anos de fartura de milho, feijão, mandioca, café, leite e carne de sol. Os sertanejos precavidos como são, prenunciavam, através dos conhecidíssimos “profetas da chuva”, que naquele ano o inverno não seria dos melhores, Os famosos “cassacos” eram chamados para as obras e contavam com seus principais ajudantes – os jumentos. Os agrimensores tanto quanto os sertanejos tinham no bichinho uma peça fundamental para a execução dos trabalhos. Dóceis, inteligentes e diligentes erguiam rapidamente a parede de um açude, sem dar trabalho. Assim foi no açude do Cedro, em Quixadá, e se repetia em outras empreitadas.
No local que citamos, havia um líder entre os vários jumentos envolvidos no duro trabalho de sol a sol. Fora comprado numa remessa vinda do Rio Grande do Norte e, logo, pelo apego ao trabalho e inteligência, sem falar na liderança exercida sobre os demais durante a lida, nunca deixando os companheiros esmorecerem, foi batizado de Faraó. Sim, Faraó, o rei dos jumentos! O bichinho, muito querido dos trabalhadores e do dono era sempre recompensado com uma boa e farta refeição de milho ao fim dos trabalhos, bem como um banho refrescante ao pé da sombra do juazeiro. Sem desmerecer os demais, Faraó se fizera especial. Nos dias de folga, carregava os filhos dos cassacos e, até mesmo, do fazendeiro. As folias eram as mais diversas e o animalzinho se punha a brincar com a criançada. Até que um dia teve um diálogo com um burro companheiro de jornada na mesma fazenda e que vihna dando dor de cabeça aos trabalhadores pelo chucrismo e teimosia, o que lhe rendia constantes reiadas no lombo e puxavões pelo rabo na hora do serviço.
- Faraó, meu companheiro de jornada! – chamou o burro xucro – eu gostaria de dar-lhe uma palavrinha, chegue-se aqui!
O burro estava amarrado num toco no sol escaldante de meio-dia, já por castigo por ter derrubado uma carga destinada às obras do açude.
O burro estava amarrado num toco no sol escaldante de meio-dia, já por castigo por ter derrubado uma carga destinada às obras do açude.
- Pois não! - respondeu o jegue solícito.
- Eu estou numa pior! Você tem moral com os “homê”. Vê se me tira dessa, conterrâneo – pediu humildemente o burro.
- Mas, rapaz, você só dá trabalho! Indagou curioso o jegue.
- Me ponha para carregar as crianças na charrete assim como você faz! Me deixe servir de modelo para os fotógrafos baterem as chapas deles. Adoro quando explode aquele negócio na hora do foto!... – pediu muito sério o burro e com tamanha humildade que cativou Faraó.
Aproveitando que o dia seguinte era domingo, ao ser selado para ir com o dono até as obras, Faraó expôs a ele o pedido do burro xucro. Diante de mil e uma justificativas do jegue, o fazendeiro cedeu; pois até para o humanitarismo a danado apelou, dizendo que como poderia se amansar o burro se ele estava comendo papel no sol, por castigo dos empregados; resolveu ver se aquele animal que tanto trabalho estava lhe dando se comportava decentemente. Deixou faraó com carta branca para agir e a primeira providência que tomou foi tirar o burro do castigo e alimentá-lo com milho fresco e água. Daí por diante era com Faraó.
Após ver seu primo equídeo alimentado, o jegue começou a dar-lhe as instruções de como deveria proceder para ganhar a confiança da meninada nas brincadeiras no pátio da fazenda. O burro assentia a tudo balançando afirmativamente a cabeça, parecendo entender e, principalmente aceitar tudo o que Faraó lhe dizia. O jumentinho explicava as manias e os gostos dos meninos da fazenda.
A princípio Faraó acompanhou o burro e viu que ele estava fazendo o serviço direitinho, entretanto, um menino inadvertidamente o chicoteou, foi o bastante para o burro esquecer tudo o que Faraó lhe ensinara. Resultado: o menino tomou uma pisada no pé e saiu às pressas da fazenda para a cidade mais próxima, com suspeita de fratura. O pai do menino foi queixar-se ao fazendeiro, que imediatamente mandou dar umas correiadas no burro e coloca-lo no sol de novo.
Passou-se uma semana o menino foi atendido, mas precisou ficar internado por três dias, e, quando saiu, estava com o pé engessado. Faraó voltou para a lida no açude e, ao chegar de folga, viu seu primo burro amarrado e pessimamente alimentado, muito magro.
- Ei, Faraó! Faraó, por favor, venha cá! – chamou o burro com uma voz já fraca. Pede ao “homê” pra me dar ração como a sua... Com muita pena e o coração tristonho, pois o burro já havia tido a sua chance, Faraó olhou para o lado e obrigou-se a lhe dar um “não” como resposta.
MORAL: Uma oportunidade deve ser aproveitada com unhas e dentes, pois um raio dificilmente cai duas vezes no mesmo lugar.