A formiga manca
luizcarloslemefranco
Em um sítio rural numa região de campo no Covate, embaixo de um morrete existia uma colônia de formigas pretas, cuja abertura do túnel onde viviam era na borda mais baixa da elevação, acapinzada. Era o lar de quase meio milhar de formicídeas trabalhadeiras e íntimas umas das outras, que viviam em harmonia salutar. A exceção era uma formiga operária jovem que não tinha a pata mediana direita, perdida num acidente com uma pedra, pouco tempo atrás.
Tal infortúnio, talvez por ser falta da pata central não lhe atrapalhava as passadas, mas as retardava, o que não agradava as companheiras que produziam mais que a perneta, mas tinham as mesmas regalias, obrigações e deveres que ela. Viviam a fazer pouco caso da infeliz, que, sentia-se inferiorizada, porém não abatida.
A formiga aleijada participava de todos os seminários, reuniões e fazia as demandas solicitadas pela rainha.Viajava para longe como todas. Demorava mais a ir e voltar, mas cumpria seu trajeto. Também realizava todo o trabalho doméstico, como as outras, no entanto percebia-se triste, não por ser coxa, mas por não poder ter o mesmo desempenho que as outras himenópteras e sentir que elas atentavam a este pormenor e lhe parecia que elas não gostavam de ter como companhia um ser que rendesse que elas no trabalho.
Às vezes notava algumas formiginhas a evitá-la nos grupos. Outras lhe ficavam indiferentes nos relacionamentos sociais do formigueiro.
Embora acostumada - e ter que conviver com seu problema físico – a persistência do agravo a induzia a pensar em alguma alternativa na vida. Vingar-se não corrigiria seu defeito, forçar seu corpo a trabalhar mais que o suportável só para compensar a menor produção não tinha cabimento, ser (h)umilhada para sempre, será que suportaria?
Ponderou que ficava idosa e precisaria descansar e prevendo que não teria apoio e solidariedade neste núcleo de formigas, resolvera montar uma casa para si, longe do grupo.
Sem fazer alarde, em algumas das viagens que fez daí para frente com os demais insetos, conseguia um jeito, em um ambívio, de abandonar a trilha e deixar alguma coisa em um buraco que preparara para si, não longe do trajeto que faziam, mas fora da visão desde o caminho.
Assim fazendo atrasava-se mais ainda sua volta ao formigueiro em determinadas viagens e isto foi percebido por algumas formigas mais atentas que perguntavam-lhe.embora antes pouco lhe dirigiam a palavra por não se atrasarem com ela:
-- Por que, às vezes, a amiga demora mais que em outras?
Respondia sempre, mais ou menos assim:
-- Estou ficando idosa e com minha dificuldade em andar, cada vez eu me canso mais e caminho mais devagar. Às vezes paro em recanto por minutos. E delicada:
-- Não se preocupem comigo, estou bem.
Ia acumulando mantimento em seu espaço.
Em uma viagem ou outra deixava ali o que pensava ser mais duradouro e alimentos e cousas der que gostava.
Depois de viagens e viagens seu mundo estava do jeito que qeria e ela até permanecia ali por algum tempo para sentir-se no lugar, para ir se acostumando com a idéia de um dia ficar sozinhada.
Não levou muito tempo o dia chegou e ela desviou-se de vez do trilho comumente usado e acomodou-se no seu viveiro. Por dias ficou sem ir trabalhar, apenas curtindo o local, do qual gostou.
Numa tarde quente, ventosa, quando voltava do trajeto que agora fazia para ir buscar seus alimentos, parece sentir cheiro forte diferente do corriqueiro naquela região. Deixou sua féria no abrigo, saiu a olhar em volta do formigueiro ( ainda de um só formiga) e nada de novo havia por ali. O odor tornou-se mais forte com o aumento da velocidade do vento e ela resolveu calafetar seu posto e permanecer dentro dele até que as cousas se definissem.
Ficou ali dois dias. O olor diminuiu e parecia ter calmaria no céu. Sorte.
Um fazendeiro havia comprado as terras onde os formigueiros estavam e resolveu plantas hortaliças. Percebendo as formigas e não sabendo se elas iriam atrapalhá-lo ou não, decidiu acabar com elas antes de saber e colocou formicida na saída adentro do formigueiro que vira próximo ao monturo, tapou-a, matando todas as habitantes.
O formigueiro da manca ficou.