SONHOS DE UM VELHO FOTÓGRAFO

Era uma paixão intensa e durante muito tempo ao tempo foi esquecida. Sentado na praça sobre este banco de cimento na cortesia da brisa na manhã, sol preguiçoso, a luz solar ao vento breve e calmo, repassa as folhas na minha linha do tempo, das nossas aventuras românticas de 1932. Por aqui os carros passam e logo distraí-me em um passado não tão distante... os jovens namoravam e enamoravam sob a calmaria rara da brisa. Estava ali aos meus olhos uma parte, ou um parecer do velho romantismo que eu vivera, em que achava-me uma flor qualquer e lhe entregava no orvalho ao nascer do sol, das poesias que lhe escrevia e as cartas que escondidas você recebia, seu pai, além de ser o meu patrão, era um chefe valente, algo entre nós era inadmissível. Eu, um mísero escravo, você, a camponesa da corte, e isso o 'senhor de engenho' não permitia. Os anos de lá já se foram, você se foi e hoje já sou um velho com rugas e alguns esquecimentos, contratempos... o tempo está me levando, mas eu fotografo e observo por horas, atravessando esta praça que durante o dia penso e passeio, clico aqui, clico ali... aprendi fotografia com um amigo da praça e li muitos livros aos fundos de uma faculdade que não tive a oportunidade de cursar psicologia, um dos meus sonhos. Queria entender a mente humana, suas emoções, suas fantasias, pouco fui à escola, separado dos meus pais, fui raptado na adolescência e trabalhei escravo por tantos anos que nem me recordo mais.. porém, o pouco que aprendi, hoje me orgulho e quero apenas registrar os momentos, o romance ao silêncio ou ao canto do pássaro no alento pôr-do-sol. Tudo entra em meu álbum, tudo é registrado nas páginas deste velho viajante que sabe somente admirar. Mas, ainda vejo, e questiono a mim mesmo, por que certos amores hoje estão ``estressados´´, libertinos e incapazes de verdadeiramente se amarem? Observo alguns... melosos, frios, exagerados, carentes, independentes, subordinados e ainda aqueles sincronizados como o passo de uma dança, demonstram serem perfeitos, mas só demonstram, há seus defeitos. Os tímidos, o que não quer se atrasar ou se exaltar, é uma legião de idéias de modos de se amar, de carícia, de jeito, de desejo, que moram em cada personalidade com destinos, planos, contradições, atrações, religiões, os que ficam, os que voltam, os que vão [...]. Sentimento guardado a fim de se expressar, dispensa a razão e chega ao coração que o espera, não escolhe classe, cor, tampouco outras distinções. Neste banco lembrara-me da minha juventude, das festas, das danças e serestas, serenatas, era uma noite de lua, o céu estava perfeito, eu fugia dos olhos do seu pai, para te encontrar na rede que eu montava pra gente se amar em noites de verão. Assim, nossos rostos colavam-se e concordavam com a música que ouvira, os curiós, os assovios longe dos companheiros noturnos. Logo, amores e paixões em fôrmas e filas se formavam dentro de nós. Nesta praça, apenas recordo-me, e vejo aqui essas pessoas querendo impressionar, persuadir, conquistar, mas hoje a estrada do amor também trafega o anseio, o ódio, o medo de sofrer, a ilusão, a traição, como folhas que o vento levam à cada estação.

Lembro-me da paisagem preta e branca, cenário perfeito e eu estava aqui... 1932, há anos, e agora meus cabelos reflete a cor banca, mas o coração rejuvenesce à cada estação, a cada clique e fotografia transforma numa tal nostalgia, os frutos que se foram, como as flores que já caíram e fazem falta numa árvore despida. Vejo aqui, todos à procura de viajar no trem da amizade com destino ao amor e vice versa... confusos, e outros mil querendo prosseguir até o limite de suas emoções. Os rumores, os ciúmes, as brigas, naturalmente é um típico dessa questão, talvez o orgulho é uma fonte de prazer, claro, e de não permitir o amor acontecer. Recordo, que me acompanhara na chuva aquele seu sorriso numa tarde de neblina gelada em nossas faces, seu corpo me aquecia, ouvindo um som que transformava e formava o nosso próprio universo, parecia tudo que jamais uma realidade pudera proporcionar, de fotografia preta e branca nossos sorrisos captavam o outono, não tinha tanto colorido, apenas estampavam chuviscos e rabiscos. O básico se tornava único, aliás, um conto de fadas nem sempre se traduz e reproduz em cores coloridas ou num mundo 'tão tão distante'. A lembrança do passado faz-me comparar com o presente, noto que eu esperara você na lareira, soava o meu acústico violão para aquecermos em noite de inverno, e um brinde para sonhar ainda mais noutro amanhã. Essa paixão proibida se estendeu até o seu pai descobrir e te levar pra longe de todos os nossos planos e desejos, fui perseguido, fugi para não morrer e para nunca mais voltar. Descobri que a vida é espontânea, que tudo desaparece de repente das nossas mãos, e num piscar de olhos não temos mais nada, ou que pode acontecer exatamente o contrário, em que podemos construir um mundo em um grão de areia. Pois os sonhos e a realidade são instantes pra se admirarem juntos, refletirem e vivê-los intensamente. Neste banco de praça observo continuamente, camuflado entre o tempo e a memória. Atento, fotografo estes jovens contemporâneos, manifestando suas emoções, suas verdades, intrigas e ficções, centralizados e conectados, globalizados. Expandindo seus hormônios, suas crenças e vivendo assim cada momento, cada paixão, seus gostos, gastos, gestos e opiniões. Vivendo com orgulho, outros por diversão e apela ao mais ruim que encontra em suas emoções, cada segundo te faz crescer e envelhecer, sendo assim, aproveite cada movimento. No canto de cada pássaro ao pôr-do-sol espreguiço aqui com minha câmera no pescoço, conseguida com muito penar, trabalhei e fui escravo da vida, dos outros, hoje vivo como posso, como sou, e sou feliz fotografando a vida, e ela nos fazem crescer a cada dia. Com meu terno xadrez um pouco maltratado pelo tempo e meu sapato de cadarços embaraçados. Registro e observo que a vida é simplesmente um tráfego de amor, que muitos vão, outros ficam, e alguns não conseguem vivê-lo sem perder a razão. Viva e ame simultaneamente... o que se faz com amor, além de mais gostoso constrói-se bem. Hoje estou como sou, como fui, escravo do passado e de um amor impossível, não me arrependo. Arrependo de não ter sido mais bravo, e lutado até o fim por isso, pelos meus maiores e inúmeros sonhos, de tê-la comigo, mas eu perdi porque fui dominado e jogado longe dos braços da filha do chefe. Até que fui ousado, o amor é ousado, é ardente e atraente, mas a corda quebra, queima e dispersa do lado mais fraco. A vida é isso, ontem foi, hoje vai ser, amanhã também. É fotografia para a mente, num rabisco os lábios dizem sorrisos e uma arte, nos olhos capturo a beleza da cidade. O sol se esconde no horizonte, já sou este velho, andante, errante e amante. Naquela história que nunca é tarde pra amar a vida e tudo que consigo fotografar, do vôo do beija-flor aos carros do trânsito insano da tarde, ou pra contar histórias, e nesta traço os meus passos, minha juventude, nostalgia, os sonhos que já se foram, noutros que ainda estão por vir ao meu encontro, caso minha velhice e meus ossos já enfraquecidos ainda os esperem. Recordo 1932, mais que uma simples data, são números que contam o total dos meus sonhos e o dia no qual deixei muitos irem embora. Aqueles olhos, a face e o amor daquela mulher era o meu sonho maior, o mais covarde e ao mesmo tempo o mais intenso e corajoso. Lembro-me como se fosse hoje a nossa despedida, assim como os casais aqui nesta praça se despedem todos os dias, mas eles tem a chance de voltar amanhã nos momentos de outrora. Antes que eu perca totalmente a memória, deixe-me nesta praça, deixe-me sonhar comigo mesmo, fotografar, e reviver o passado que me faz perceber que tudo isso um dia foi real.

Doni Pereira
Enviado por Doni Pereira em 30/03/2013
Reeditado em 07/11/2013
Código do texto: T4215547
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