O Adivinho           

 
      Ainda criança, João, após uma discussão com um colega, disse, num momento de raiva, que, no dia seguinte, ele levaria uma surra do pai. O colega foi para casa aborrecido e, como ocorre com a maioria das crianças, acabou por fazer uma travessura e seu pai, aborrecido, deu-lhe uma surra. O colega de João chegou à escola muito desconfiado e contou a outro menino que João havia adivinhado no dia anterior a surra que levou naquele dia. O menino, surpreso, procurou João e desafiou-o a dizer o que lhe aconteceria no dia seguinte e João, em tom de brincadeira, disse que sua avó sentiria muitas dores. Deduzira isso porque sabia que a avó do garoto era velhinha e sentia-se desconfortável, com dores ósseas. Sabia também, por experiência própria com a sua avó, que o tempo frio agravava este tipo de doença e como havia  nuvens escuras no céu anunciando uma tempestade, era provável que o que previra ocorresse. Não foi diferente; no dia seguinte toda escola o havia batizado como o Adivinho.   
            Anos se passaram. João continuou a fazer suas óbvias deduções e se tornou cada vez mais popular. Num certo dia, uma jovem recém-casada o procurou muito apreensiva e pediu que lhe dissesse se seu casamento seria feliz. Ele, percebendo que algo não ia bem, tendo em vista sua presença ali, e sua preocupação com um casamento tão recente, quando a maioria dos casais acredita numa felicidade eterna mesmo que a união seja o desastre mais previsível, declarou solenemente que não daria certo seu casamento. A jovem saiu chorosa e retornou uma semana depois para informá-lo da separação. Ela e João acabaram ficando amigos, apaixonaram-se e, finalmente, se casaram.  
            O casamento foi feliz nos primeiros dois anos. A esposa respeitava João e temia suas previsões. Toda cidade vinha consultar-se com seu marido e isso era motivo de muito orgulho. Porém, numa certa tarde, João adoeceu. Parecia um simples resfriado, porém, foi piorando e o levou a ficar acamado. A esposa desdobrava-se em cuidados e, muito apreensiva, pediu que previsse seu próprio estado de saúde. Mais uma vez, João deduziu que se uma simples gripe que se agravara tanto e o levara a ficar acamado, se sentindo tão mal por tantos dias, provavelmente seria uma doença grave e que, portanto, ele não sobreviveria. Disse, então, à esposa que a doença pioraria e ela ficaria viúva, que finalmente chegara sua hora. Em poucos dias, a história do futuro falecimento do Adivinho se espalhou e todos apenas aguardavam a terrível desenlace.
            Numa bela manhã ensolarada, João inexplicavelmente sentiu-se melhor. Foi gradativamente melhorando. A sua esposa, contudo, acreditando que ele já sofrera demais e ainda poderia sofrer muito para morrer, movida por uma enorme piedade além da absoluta crença em suas previsões, deu-lhe uma dose fatal de veneno.
            O adivinho faleceu nesta mesma manhã e seu enterro foi o mais pomposo da cidade, era ele o santo homem que dentre tantas previsões,  previu a própria morte.
 
Mgtcs
Enviado por Mgtcs em 19/12/2012
Reeditado em 13/01/2013
Código do texto: T4042709
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