Galinha rebelde
A propósito de galináceos (resolvi dar uma encarnada nesse tema), outro dia vinha uma galinha desfilando pela avenida, sem pressa nenhuma, mas com aquele olhar de galinha estressada, do tipo classe C que ainda não fez reposição hormonal. Parou diante da faixa de pedestre e, - não sei se isso foi porque o semáforo estava no amarelo piscante ou porque ela estivesse indecisa quanto ao seu trajeto - começou a cacarejar, entoando uma velha canção, Ne me qui te pas, num forçado soprano que a fez por um ovo ao lado do meio fio.
As pessoas que por ali passavam não pareciam perceber, mas aquela galinha tinha algo de especial. Não porque cacarejasse em dois tons acima e conseguisse, a despeito do ovo, sustentar a afinação, mas porque simplesmente não se sentia galinha e, finalmente, não reconhecia a razão daquela existência: reproduzir, reproduzir, reproduzir - imposta pelos humanos.
Após encerrar a sua elegia, com um gesto mecânico, recolheu sob as asas o ovo involuntário e marchou decidida para a morte. Entretanto, não logrou êxito na sua empreitada, pois, ao tentar atravessar a rua, todos os carros imediatamente pararam antes da faixa, quando então os pedestres começaram a bater palmas com um sonoro e repetitivo viva a galinha.
Nossa amiga não se deu por vencida; chegando ao outro lado da rua, quebrou a ponta do ovo e começou a tomar de canudinho.
Ao ver aquela cena bárbara, as pessoas, que antes batiam palmas, começaram a correr atrás da galinha aos gritos de assassina, assassina, assassina...
Passado algum tempo, o que eu consegui saber sobre essa galinha é que acabou mantendo uma relação estável com um pombo sujo do centro da cidade.