(O Corvo, Princesas Desencantadas, Fadas Fugazes e Outros Desencontros...) Corvos não Dormem com Fome...

Diz o conto que, ao cair da noite, após horas de voo – que fique claro: nenhum de nós havia voado tanto (pelo menos, ele assim acreditava) – o corvo decidiu pousar. Estava cansado. Além do mais, desejava conhecer a floresta, pois jamais estivera em uma – somente vira, ao longe, as que margeavam os campos. Os mais velhos diziam que não é seguro, pois os que lá habitam não conhecem regras – as tão preciosas regras, que nos protegem das atrocidades de nós mesmos. Mesmo receoso – pode-se dizer amedrontado (jamais assumiria isso) – decidiu pousar.

Depois de vários minutos – cansativos minutos – ele encontrou uma clareira. “-Espaço aberto! Como é difícil encontrar isso por aqui!” – queixa-se... finalmente, pousado sobre uma grande pedra, ele observou, com um misto de espanto e curiosidade, aquela floresta escura e densa, matizada do verde escuro da folhagem e do azul claro do luar... receou em adentrar-se, mas não tinha muita escolha, pois começou à sentir o estômago roncar... Seus instintos lhe impulsionaram a procurar grãos, como nos campos... mas, não parecia haver grãos por ali... “-Carne! Com certeza, há carne! Algum pequeno, porém gordo, animalzinho!”... Achou-se com sorte por ser um corvo... poderia comer de tudo – até se contentaria com alguma fruta, mas algo que se move, naquele escuro, seria mais fácil de achar... se fosse outro pássaro, como uma daquelas escandalosas gralhas, com quem os seus dividiam os campos (e a comida), com certeza morreria de fome – gralhas só comem grãos... mas ele era um corvo... e corvos não dormem com fome...

Não teve pressa... entrou aos poucos... com cuidado, pois não sabia que tipo de animais viviam ali... poderiam ser a caça, mas também o caçador... voando cautelosamente, de galho em galho, perscrutando com cuidado e atenção, o corvo avançou... um bater de asas, pousa, observa, outro bater de asas, pousa novamente, observa novamente... metro após metro, o corvo se perdeu floresta adentro... mas não deu importância... “-Daqui de dentro, não parece tão assustador!”... Súbito... um farfalhar de folhas secas no chão chamou a sua atenção... ao virar sua cabeça para o nítido barulho, ele viu: um rato, um gordo e suculento rato... Seria fácil, pois estava acostumado a caçar ratos – haviam muitos ratos nos campos...

Seguiu a pequena e apressada iguaria até um pequeno buraco no chão... “A toca! Agora é só esperar!”... e ele esperou... durante duas horas, ele esperou... atocaiado em um pequeno e escuro arbusto próximo aquele buraco, ele esperou...

“-Ele não vai sair!” – exclamou uma voz ao lado! Olhou e viu: Um gato... afastou-se depressa – gatos são perigosos! “Como ele chegou aí?” – pensou...

“-Vá embora! Ele é meu!” – exclamou com um ar de insolência e uma falsa coragem...

“-Admiro sua bravura! Embora seja fácil ser valente quando se pode, simplesmente, sair voando!” – disse o gato, com um sorriso irritantemente faceiro no rosto. – “-Mas, não estou com fome!”

“-Então, o que quer? Deixa-me e some! Acaso não aprendeste que não se deve brincar com um corvo faminto?” – arrependeu-se de ter dito isto... não se provoca um gato...

Surpreso com a ousadia da ameaça, o gato pôs-se de frente e disse: “-Calma, ave! Estais muito longe dos campos! Esta é a floresta, e tens muito o que aprender! À começar por: ‘aquele rato nunca sairá por aquele buraco!’”

“-Como não? Eu o vi entrar e ele vai ter que sair em algum momento!” – disse o corvo, com a certeza dos que nada sabem...

“-Eu disse que ele não irá sair... Não disse que não entrou por ele!” - disse o gato, com tanta convicção que o corvo começou a duvidar se aquele pequeno roedor realmente sairia por ali... “-Asneira!” – pensou – “-Tocas de rato só possuem um buraco! Todos sabem disso! Por certo ele quer que eu saia, para procurar outra suposta saída e, assim, ficar com o meu jantar!”

“-O que pensa que sou? Alguma cotovia desmiolada? Vá embora, já disse! Não preciso dos conselhos de um gato espertalhão!”

“-Não acredita mesmo em mim! Mas, não o culpo!” – respondeu-lhe o felino – “-Façamos, então, o seguinte: para provar a minha boa fé, vamos juntos... mostrar-te-ei o outro buraco desta toca... e, quando pegarmos o bichinho, o dividiremos... ele parece ser bem gordinho... dará para nós dois...”

“-Você disse a pouco não estar com fome!” – argumentou – “-Agora, já quer comer! Com certeza, deve ser um truque! Vá embora! Não mandarei de novo!”

“Certo! Eu vou!” – assentiu o gato – “-Não quero brigar, pois estou satisfeito e com sono! Embora eu deva confessar que não dispensaria um lanchinho antes da sesta! Já tu... não conseguirás nada aí!” – e foi-se, sumindo por entre as sombras das árvores...

“-Corvos não dormem com fome!” – disse, esperando que aquele gato ouvisse e entendesse que quem não conseguiria nada com toda aquela falácia seria ele...

Mais uma hora se passou... e nada... mas, o corvo não desistiria... uma hora à mais... e mais outra... daqui à pouco o dia raiaria... e já estava ficando sonolento... Um leve cochilar... um barulho... “-Até que enfim! É ele!” – comemorou... mas, ao olhar para o buraco, nada... procurou a fonte do som... num arbusto um pouco distante, o gato o observava... pendurado na sua boca, um pequeno e gordo rato... em seus olhos, um ar de “eu te disse”... e sumiu na noite...

O corvo não podia acreditar... foi até o buraco e cutucou, cutucou, cutucou... primeiro com o bico, depois com um graveto... aquela maldita peste teria que sair... ele estava aqui, não na boca de um gato... não na barriga de um gato... “-Maldito gato! Maldito gato!”... mas, o rato não estava lá... Alçou voo... ainda poderia encontrá-los... ainda poderia pegar o que passou horas esperando... e aquele gato? Se arriscaria em dar-lhe uma surra!.. Mas, não os achou...

Já exausto, o corvo procurou seu próprio buraco, no alto de uma árvore, de nada adiantaria desperdiçar suas energias atrás daquele gato... ele já se foi... agora, teria de descansar... aquela noite, ele iria dormir com fome...

Fábio Dougherty
Enviado por Fábio Dougherty em 24/10/2012
Código do texto: T3949716
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