(O Corvo, Princesas Desencantadas, Fadas Fugazes e Outros Desencontros...) Prelúdio

“-Era uma vez...”

Ele bem queria que fosse aquela apenas “uma vez”... a primeira e – quiçá – a última vez... Também queria poder dizer que “era”... assim... no passado... como se fora algo distante no tempo e merecedor de nada mais do que o esquecimento... Mas, não “era uma vez”...

“É, de novo!” – ele pensa, enquanto sacode as penas das asas, na tentativa de arrumá-las – algo quase impossível para ele. Mais uma temporada se passou (a segunda de sua – até agora – curta vida) e continuava só... Sempre houve mais machos do que fêmeas – resultado de infâncias violentas, trazendo um súbito arrependimento (se não tivesse, ele mesmo, dado cabo de duas ou três...)... Apesar de não entender o porquê de não, simplesmente, aceitar sua provável solidão, já estava acostumado... no fundo, sempre foi solitário, desde o ninho... “Não queria mesmo nenhuma delas!” – desdenha com a razão dos perdedores – “Fêmeas fúteis! Por que valorizam tanto essas demonstrações estúpidas de masculinidade? Quem disse que o mais forte é, necessariamente, o melhor? De onde tiraram que o maior é o melhor amante, o mais companheiro e o melhor pai?”

Ao olhar em volta, nota diversas famílias com fêmeas jovens – “No ano que vem, serão essas...” – observa para si mesmo, chocando-se como próprio comentário – “Não vou ficar aqui, cobiçando crianças! Além do mais, não serão diferentes das outras!”...

Do alto de uma grande árvore, ele fita o horizonte... olha, em seguida, para baixo – “Será que alguém vai sentir a minha falta?.. Que bobagem... é claro que não!”... Um salto, um simples salto... arquear o corpo, baixar a cabeça, apontar o bico para a frente e erguer a cauda; para depois, num só impulso, arremessar-se inteiro para cima, numa parábola de asas fechadas, abrindo-as de uma vez, ao começar da queda... O bater de suas asas negras ao vento anunciam que não há volta...

Enquanto sua cabeça fantasiava as maravilhas que iria encontrar, seu coração temia pelo destino (ou pela sina) que escolhera para si... ninguém jamais havia deixado os campos antes... Nem mesmo ele, antes daquele momento de rompante, havia pensado em fazê-lo... diziam que nós éramos os campos, e os campos eram a nós... o que havia se tornado?.. talvez, um pouco mais do que nada... se for, agora, um nada, poderia se tornar qualquer coisa... mas não queria ser outra coisa... queria continuar sendo o que era... talvez ele não fosse feliz...

...mas gostava de ser um corvo...

Fábio Dougherty
Enviado por Fábio Dougherty em 23/10/2012
Código do texto: T3947320
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