MEU AMOR, O BOTO ( CAP. 9 DE 9)
Isabel entreabriu os olhos. Podia escutar os sons da festa, da música, da dança e das pessoas felizes. Ela, que nunca perdera uma quermesse em toda sua vida - pois desde que se conhecia por gente andava a procura do boto - ajeitou-se melhor na rede, esperando que seu sono voltasse. Não esperava mais nada da vida e também não desejava mais nada dela.
Um movimento nos fundos da casa fez com que Isabel novamente se acordasse. Levantou um pouco a cabeça e perguntou, com a voz fraca:
- É você, Irene?
Não houve resposta. Isabel imaginou que fosse o vento e tornou a cerrar os olhos. No entanto, um som de passos a despertou novamente.
Naquele momento um medo grande tomou conta do seu peito e ela desejou não estar tão fraca. E se fosse algum ladrão? Sequer teria forças para lutar contra ele! Talvez fosse Josias, bêbado feito um gambá chegando em casa, trocando as pernas.
- Pai?
Silêncio. Isabel escutava as batidas do seu coração ecoando pela noite inteira. Amaldiçoou sua fraqueza. Estava agora à mercê do quê e de quem quer que fosse.
Ele apareceu ao seu lado de repente como que trazido pela brisa da noite. Isabel o encarou não acreditando nos seus olhos. Alucinação, delírios, devaneios? Era o que dava ficar tanto tempo sem se alimentar.
O homem estava elegantemente trajado, com roupas que nenhum outro qualquer da vila estaria à altura de vestir. Na cabeça, o chapéu. Nos olhos, o desejo. E nos seus lábios, a voz que seduziu Isabel para sempre.
- Dança comigo? - e o boto lhe estendeu graciosamente a mão.
A jovem prendeu a respiração. Oh, meu Deus! Não terei forças para me levantar desta rede...
A magia envolvia a tudo e Isabel segurou a mão do seu amor com firmeza. Logo estava em pé, com seu corpo colado junto ao dele. A música que vinha da praça central da vila os embalou noite adentro, em um encantamento sem fim. Isabel deixou-se levar pelas mãos e pelo corpo firme do boto através da mata, até o leito do rio.
A noite não tinha mais fim.
Quando Irene se cansou da festa e dos pretendentes que se apresentaram, decidiu buscar o filho com a avó e voltar para casa. A madrugada ia alta e a festa continuava animada. O mesmo não se dava com ela, aborrecida pelo fato de o boto não ter dado às caras na vila.
A rede de Isabel balançava vazia quando Irene chegou. Não era possível, disse a moça para si mesma. Minha irmã não tem forças nem para segurar um pente! Tensa, Irene fez uma busca pela casa inteira, esperando encontrar Isabel caída em algum cômodo. Mas não havia sinal nenhum da garota e o medo tomou conta de Irene.
Seus olhos se voltaram na direção do rio.
- Será?…
Com o bebê a tiracolo, Irene pôs-se em desabalada corrida. Precisava ir até o rio, não havia outro lugar que sua irmã pudesse estar. Mas… de que jeito Isabel chegaria lá?
Conduzida pelas mãos de quem?
O ciúme correu pelas veias de Irene e ela apertou o passo querendo ver com seus próprios olhos o que o coração negava. Exausta, a moça logo chegou ao leito do rio, bem a tempo de ver uma imagem que ficou gravada a ferro e fogo nas suas lembranças até o fim da sua vida.
Dois botos nadavam em direção ao horizonte, deixando a vila para trás. E eles pareciam muito felizes, saltando um ao lado do outro, nadando ao encontro do infinito.
Irene ficou por muito tempo parada no mesmo lugar, com os olhos fixos no exato ponto onde perdera os botos de vista. Jamais poderia ir atrás deles, aquele mundo não lhe pertencia. Somente quando o filho começou a choramingar que Irene despertou do seu torpor e lentamente passou a fazer o caminho de volta. Nunca se sentiu tão sozinha na vida.
E assim ela voltou para casa, levando o filho que nem do boto era. Tinha inventado a história para livrar a pele do homem casado com o qual se envolvera. E fora tão convincente que todo mundo acreditara na sua conversa; às vezes até ela mesma já não sabia mais o que era verdade ou ficção.
De tudo, só lhe restara o amor que sentia pelo boto. E mais nada.
FIM