A mulher sertaneja e o Vento
Era o mês de agosto daquele ano de 2003, a claridade solar abundantemente invadia com o ar quente e seco todo o verde da terra dos Cocais. Coruscava apenas o auriverde das colossais palmeiras de babaçu na imponência imperativa da longa caatinga perdida entre as matas despidas do mofumbo e tinguis. Na densa mata seca somente o mofumbo erguia o aparato de proibir o nascimento de qualquer outra planta ao redor da sua realeza. Com folhas e frutos, a abelha jandaíra cercava com beijos no labor da estação que se estendia por toda a chapada. Em outro ponto histórico, os índios Guanarés utilizavam as folhas e frutos para estimularem os apetites sexuais e como erva medicinal no tratamento de doenças como a coqueluche e demais tosses. A tremenda secura debruçada naquele lençol inóspito entre os galhos improdutivos do vasto tapete de folhas secas aos pés inundava o solo na gradação clara e cinzenta da pobre região.
A localidade conhecida como Sambaíba no segundo distrito da cidade de Caxias, Estado do Maranhão era embebida pela radiante fonte de calor daquele mês. Da miúda janela de talos de buriti da habitação da senhora Marília, o vento se inclinava numa curva que ficava na pequena salinha, refrescando o corpo da campesina. A pequena residência coberta de palhas de babaçu e paredes de barro amarelo cinza sustentava uma divisória de igual construção entre a sala e o único quarto com duas janelas.
O verão impetuoso daquela estação fervia por toda a região, e os pássaros pulavam entre os galhos de pau pombos, revoando no ápice das palmeiras num rito nobríssimo do capoeirão. Entretanto, as belas tardes com a luz celestial se apagando entre o destino do anoitecer no fim do horizonte avermelhado, transmitiam a cadência melódica da invasão. Ocasião em que uma corrente fria rebatia nas últimas palhas das palmáceas esmeraldinas e durante toda a estação cumpria o vento a missão, acentuada de correr entre os arbustos.
Certo dia, com a crescente derrubada e queimada de árvores para a implantação de roça no toco, o vento se rebelou naquela sustentabilidade entre milhões de palmeiras agonizantes. Rebatiam para um lado e outro com línguas caudalosas de fogo, aquecendo a terra e partindo para outras bandas os insetos, pássaros e os animais silvestres. A grande energia andava velozmente com barulho ensurdecedor nas vizinhanças despejando furor na força da terra como resposta da maldade inapropriada do uso abusivo da propriedade ruralista. O chão da caatinga se transformava num inferno amarelo e vermelho, esgotando num irreversível processo de equilíbrio ambiental, transmudando o clima, a fauna, a terra e se perdendo a flora, ao favorecimento aos pobres agricultores a fertilidade de suas futuras plantações miseráveis sem apoio governamental.
Passados alguns dias, a calmaria celebrou novos acordes entre a natureza e o homem. E o vento frio das seis horas da tarde quebrava na magnitude do torrão sertanejo a contagem das estações maduras. Assobiando lentamente, este atravessou com robustez uma camada de ar frio, penetrando pela janela da casa da senhora Marília. Sacudindo as pontas das palhas branquicentas da paupérrima coberta, ele apagou a luz da lamparina num prisma invisível e tão abstrato ao calor humano. Logo, a mulher campesina se sentia feliz todos os dias com a aragem refrescante ao anoitecer.
Um dia Marília, sentada num pequeno tamborete de couro de veado na salinha, preparava os recortes de folhas de papel de seda com variadas cores na confecção de bandeirolas. Era uma sintonia que remarcava as festividades da morte do boi da Sambaíba em seu oitavo mês.
Reclamando, falou sozinha:
-Que calor danado! Não sei o que tá acontecendo com o vento das seis horas. Ainda não passou por aqui. E desse jeito eu não aguento.
Ali, parada, sem se importar com o avançado horário que transcorria nas calçadas do tempo, Marília apressou-se para entregar a encomenda dos festejos do boi. De repente, a aura que não olvidava de fazer esses benefícios diariamente, não tardou. Adentrou pela janela, invadiu a salinha, fez redemoinho e se rebateu na parede de barro, elevando as folhas de papel de seda ao ar, espalhando por todo aquele pequeno casebre.
Marília, não se conteve e falou em bom-tom:
-Que porcaria de vento! Jogando todo o meu serviço fora. Essa é demais. Agora, eu não sei o que fazer com tanto papel jogado pelo chão. Ó vento ordinário, filho dos infernos. Dessa vez a vaca foi pro brejo da disgrama. Só faltava essa mesmo.
Após meia hora, a brisa fria partiu, e Marília não teve como pegar os papéis no escuro. Irritada com a ventania dentro de casa não localizava a caixa de fósforos, pensativa saiu em direção à casa da vizinha.
Certo dia, Marília sentou-se na sala para descansar um pouco da labuta, entregando-se ao trabalho de costura à mão, vez que não dispõe de recursos para comprar uma máquina. De modo que ela reunia várias peças de tecidos de chita, alguns vestidos enormes e saias avantajadas coloridas. Ainda apressada num ponto corrido daquela costura, a ponta da agulha subia e descia numa velocidade incrível acompanhada de um rabo de linha.
Designando o andamento, ela buscava o conforto de suas atitudes, porém, a linha na agulha percorria trilhas escuras pela lateral da saia metido num ponto invisível da parte do tecido pelo lado avesso. Já bastante nervosa com a alta temperatura, reclamou sozinha.
- Que calor danado! Já me banhei três vezes e não aguento mais. Parece mais um inferno este lugar. Ó que diabos das pernas tortas!
Sem demora, o crepúsculo despontava, e a mulher introduzia o semblante na janela, observando se o vento já havia chegado na estrada. E assim, disse:
-Eu hein! Hoje o vento não entrou por aqui e nem passou na porta de casa. O que será que tá acontecendo? Na certa ele deve tá namorando as luzes do arco-íris lá na baixa da égua. Só pode. Esse calor me sufoca e me deixa quase louca e agitada. Ó que diabos!
Duas semanas se passaram, e numa tardinha, a campesina se encontrava sentada à porta da residência com uma agulha às mãos, erguendo-a para olhar o minúsculo orifício empurrado com os dedos na ponta o fio de linha.
Uma senhora conhecida como Carmosina que passava naquele local, cumprimentou, dizendo:
-Oi comadre! Como vão as coisas por aí?
-Não estão muito bem não. Com esse calor que espanta até o vento, me deixa dominada sem ver navio. Já está com mais de duas semanas assim, comadre.
Carmosina, abismada com tais episódios, afirmou:
-Comadre, lá em casa tá bom demais. Agora mesmo tá correndo um vento leve e frio pra todos os lados. Se não me falha a memória, o vento nunca deixou de passar lá em casa. E todas as tardinhas ele chega de mansinho na varanda.
-Verdade comadre? E como pode acontecer uma lazeira dessas comigo.
-Sim. Eu não preciso aumentar ou diminuir os fatos, só tô lhe contando.
-Sei. Entendo. E pra onde vai desse jeito, bem arrumada?
-Eu vou à casa do Chico Piaba falar com a Maria sobre um arroz com casca que ela comprou e não deu mais as caras.
-Esse povo compra e não paga o que deve. Até mais e vá com Deus.
A mulher se retirou, e Marília foi averiguar na casa da Carmosina se o vento frio corria forte por aquelas bandas. Ao se aproximar, ela notou que a atmosfera dobrava pelo gigantesco pé de tamarineiro que separava as duas propriedades. Com isso ela ficou bastante apoquentada por constatar que a ventania não alcançava a sua residência.
E numa tarde do final do mês de agosto, ela sentou à porta, vez que dentro de casa o seu corpo exalava suor, deixando a roupa completamente molhada. Novamente, a mulher foi na propriedade vizinha para ouvir o barulho do vento no pé de tamarineiro. E num gesto indignado discorreu sozinha, olhando o vento balançar forte a árvore e demais plantas.
-Vento! Ó meu vento! Por que tu não passas mais por minha casa e não entra pela minha janela? Afinal de contas tu não andas por todos os lugares? O que tá acontecendo contigo? Cadê a tua liberdade?
O vento assobiou forte realizando uma curva com redemoinho pelo pé de tamarineiro sem dar a mínima atenção aos clamores da mulher.
Inconformada, ela gritou.
-Vento! Vento! Vento do norte ou do sul! Qual a diferença existente entre a minha choupana velha e a bela casa da minha comadre? Por que tu dobras na tarde pelo pé de tamarineiro e não passas pelas minhas palmeiras da minha porta? Eu fico aqui quietinha lhe aguardando.
O vento enfurecido levantou a saia da agreste, e disse:
-Por que tu me amaldiçoaste? Ó mulher do meu sertão de Caxias!
Negando, ela articulou:
-Eu não fiz isso, meu vento. Eu não teria essa coragem de falar asneiras.
-Por que mulher da Sambaíba aspira a minha ruína?
-Não. Pelo amor de Deus! Eu não desejo nada disso. Acredite vento!
Como posso dá crédito. Afinal, que mal eu fizera? Se eu tenho secado as tuas roupas no varal todos os dias e abraçado todas as tardes o teu corpo com o meu ar frio, e nada me compensou.
-Possa! Quem disse que tu secaste as minhas roupas no varal? Tá enganado com a vara curta do senhorzinho. Não sabe que foi o sol do meio-dia que secou todas as roupas?
-Mulher! É difícil compreender a humanidade. Nem todos possuem a ciência da vida. E poucos conseguem iluminar a trindade universal dos meus olhos invisíveis. Quando entro em tua casa ambicionando os melhores ares, é somente pra confortar a tua existência na terra. E por todas as verdades, eu nunca fui agradecido por isso. Contudo, por derrubar alguns papéis do teu labor numa única tardinha, eu fui severamente excomungado. Tu vejas senhora, que durante toda a tua vida, assoprei o teu corpo, e nunca reparaste o meu trabalho.
-Verdade vento?
-Sim. Só hoje pela manhã já beneficiei as palhetas na geração de energia eólica na Dinamarca, andei pelo Ceará, já retirei bilhões de moléculas de água transpirada pelos homens e árvores no mundo para aumentar gradativamente a evaporação. Empurrei as ondas de todos os oceanos e mares. Desviei muitas aeronaves de desastres nos céus, assim como facilitei empurrando pra frente nas correntes de jato. Já abrir bem cedo os olhos dos jovens com as ondas pelo Havaí, Copacabana, Barra, Ilhas Canárias e todas as belas praias do Caribe na prática do windsurf velando a beleza da natureza. E tudo depende de mim. Eu sou um rei nesse universo louco e desumano. E já polinizei milhões de flores acompanhados de chuvas ou não. Levei bilhões de sementes entre vários lugares do planeta para que a terra não sofra no futuro o desequilíbrio ambiental. A humanidade é sempre assim, nunca usa a sabedoria para viver e não aprende o que já foi escrito como exemplo. Somente sabe exterminar, amaldiçoar, matar, mentir e roubar. Enfurecendo contra si mesmo e guerreando com outros de pouca fé. Essas gerações não entendem e não se advertem com os meus ensaios que posso levar o planeta terra para a escuridão. Eu sou o mistério que os homens não o conhecem.
-Não é sincero, Ó Vento!
-Mulher! “A lei da natureza não tem olhos e nem braços e age de forma incompreensível” perante os homens. O que sai da tua boca em tabuísmo não evoca bons procedimentos. Eu sou a vida abstrusa que não vês, porém, sentes a minha presença ao teu redor de forma contínua. Saiba que eu sou essa massa circulatória nas diversas correntes.
Pronunciou a mulher:
-Em tudo acredito vento.
Ainda, brotando roncos violentos, o invisível assentou próximo da camponesa, e soltou:
-Eu sou a brisa extremosa e sou um furacão enlouquecido pelas encostas continentais.
Ainda arrancarei o telhado da Casa Branca arremessando nas águas do Pacífico como retranca pelos abusos em guerra e uma economia universal capaz de inviabilizar a vida de todos no planeta. Acaso não direciona as suas questões políticas ao sistema de paz ao mundo, aduzindo nas plataformas os baldes repletos de sofrimento humano, em especial aos países pobres da África. Então, por que me amaldiçoaste, Marília?
Ela, já bastante nervosa e baixando a cabeça, então disse:
-Eu nunca ti amaldiçoei, Ó vento! Como eu poderia dizer tudo isso contigo? Não és invisível? Onde estão os teus ouvidos para me ter escutado?
A ventania furiosa açoitou as folhas da bananeira, lançando ao chão. Argumentando em seguida:
-Mulher! Que tu não mintas para encobrir uma verdade. Não utilize as palavras e frases para atingir o objetivo em sua defesa deficiente. Esta é a enfermidade da humanidade que se aproveita em disfarçar a vida que leva, achando que outras pessoas são bobas ou nada entende. Não sou o teu julgador, mais posso manobrar os meus rumos por onde não me desejam. Que tu vejas que como um sábio onde não articula provas com um mentiroso, e brinda com alegria o pequeno disfarce brotado da arte afirmativa de quem não é verdadeiro. Eis o teclado onde navegas na lentidão dos teus pensamentos, forjando na luz dos olhos a semente da improbabilidade.
A senhora, sentindo-se ferida pelas veracidades pronunciadas, retorce o corpo e improvisa:
-Vento, Ó vento! Eu nunca pensei que as coisas abstratas da natureza tivessem ouvidos.
E que somente os animais irracionais pudessem ouvi-los ao seu modo sem a compreensão dos humanos.
E naquele instante, o vento já bastante enfurecido, gira em alta velocidade levantando poeira vermelha do barro da estrada vicinal, rebatendo numa árvore ao lado da casinha, quebrando-as. Então ele disse:
-Que tu vejas a minha boca num sopro. Não duvides das propriedades do criador.
-Lembre-se que a minha força derruba arranha-céus, aviões, inunda rios e mares, tudo o que possa existir como castigo de Deus sobre os humanos. É assim que me ouves quando chego, batendo em tudo que encontro pela frente. Ouça-me no pé de amêndoa agora? Se quiseres, levo para bem longe as palhas do teu inóspito casebre. Sou intenso e tu não me vês quando chego.
A mulher silenciando, chorou e se ajoelhou perante o invisível. E derramou lágrimas no chão sem dizer uma palavra. O vento então falou:
-Levante-te mulher do capoeirão! Não condenas as coisas do teu criador. Pois ele é único Senhor de todas as coisas do universo e fizera com amor para que tu pudesses desfrutar e gozar sem amaldiçoá-las. Eu, por acaso já amaldiçoei a tua castra? Os teus passos?
A mulher ainda lagrimando, sentiu o peso e disse:
-Perdoa-me vento. Eu sempre estou errando nesta vida.
-Eu não saberei perdoar a voz humana. Essa mesma boca que fere e destrói não pode falar em clemências. Contudo, fica registrada a presença desse sentimento em lagoas de prantos. Amem-vos as coisas da criação, ela será o leito e o conforto de suas provisões pelo futuro. E não façais das vossas mãos, os calos das ambições e maldições de vossas bocas. Seja-as como as crianças que nada conhecem e não se atribuem de poder e inveja.
Num traço alongado de palavras, disse o vento:
-Mulher! “O teu cérebro também enxerga e ouve dentro da massa cerebrina”, em tudo há uma audição. Não acreditas? Por isso, não me enganes, “O falsário engana a muitos até a si próprio”. Não sabe que “a mentira ainda é o argumento mais fiel do covarde”, aliando ser fido aos lances como verdadeiros. E a vida continua nas dimensões galácticas, pois, “uma estrela brilha até o dia em que se explode” para gerar outras vidas. Assim como tu tens o dom de ser mãe no espelho da perfeição do Senhor. Peço-te que nunca execre uma noite, e quando tu souberes que “as noites servem para mudar as cores da natureza”. Verás no íntimo da alma que as transformações da tua face também alteram nos dias. Ó sertaneja! Não esqueças tu que um dia um pobre menino das terras dos cocais observou demasiadamente o céu negro, e certa vez disse ao tempo: “Existe uma energia no infindável universo, capaz de revolucionar a mente humana.”.
Encalistrada a senhora indagou:
-O que este menino viu naquela noite escura sem as luzes das estrelas? E faz tanto tempo assim?
-Ele viu o inusitado do alto de uma mangueira do quintal quando as suas pupilas derramavam gotas prateadas na idade de quatorze anos. Naquele ano de 1974, uma fraude num concurso de poesia abalou aquele miúdo. Com a nota de quatro jurados que foram unânimes para validar a nota máxima de número 09 (nove) pronunciada perante todos os presentes. E numa envergada falcatrua, inverteram os papéis com as quatro notas escritas para o número 06 (seis). Assolando que um pequeno da segunda série do ginásio (ensino fundamental) além de ser gago não poderia levar o prêmio na disputa com os poetas concorrentes do científico (ensino médio ou segundo grau). Restando apenas a última premiação com o terceiro lugar com um diploma.
E como ele descobriu? Ele já sabia desse acontecimento?
-Eis a questão a ser decifrada nas horas e tempo. Ele tomou conhecimento no resultado. E um dia um admirador e professor daquela época - professor Valter Costa e Silva, indagou se o mesmo ainda escrevia poesias e que gostaria de contar um fato que ardia na sua mente há muitos e muitos anos. Lamentou aquele mestre que houvera a maior covardia contra aquele menino na apuração das notas, detalhando que suas notas foram 9 (nove) e que viraram para o número seis na tentativa de apagar a sua presença naquele certame estudantil com o primeiro lugar. Tendo o mestre afirmado não ter tomado parte daquela tramoia elaborada na luz do dia. Mais limpava o coração em contar a verdade ao advogado que um dia foi o um menino sacudiu todas as carteiras escolares com a Poesia Minha Pátria.
-O que fizera o menino poeta ao saber do resultado?
-Ó mulher sertaneja! Ele não quis receber o prêmio como terceiro lugar, saindo em disparada ao ouvir a sua colocação rebaixada para 6 (seis). E à noite, ele subiu às escondidas dos familiares nas últimas galhas da mangueira para conversar com o tempo.
Era uma noite caminhando para a madrugada, lastimando em dores, suas pupilas derramavam inocentes lágrimas. Ali sentado num pedaço de tábua improvisado no apogeu da mangueira era a sua escrivaninha entre várias latas de leite vazias, porém repletas de belas poesias e pensamentos. Em prantos, aquele versejador rasgou em pedacinhos a poesia Minha Pátria para nunca mais alguém na terra lê-los, permanecendo com ele apenas uma cópia reprográfica do seu maior título.
-E tu, o que fizeres?
-Ó mulher do capoeirão! Desci docemente pelas encostas dos quintais vizinhos, e ele me observou dizendo: Vento! Ó vento, levas para ti o que esta poesia me fizera tanto chorar. Juntei os fragmentos das letras manchadas com seus prantos e evaporei o meigo escorrido de sua face. Por isso, ele me disse escrevendo num pedaço de papel de embrulho de pão: “O vento assobia nas minhas horas tristes, e dança nas últimas palhas da palmeira construindo estrofes nos meus olhos”.
Em seguida, a sertaneja choramingando entrecortada de suspiros, indagou:
-O que faço então, Senhor dos ventos? Rendo-me aos teus pés sem saber onde estais e fecho as minhas velas da minha face de labutas, ofertando graças.
O vento reinando naquele local impulsiona rajadas de cortes nas folhas das pequenas árvores: E proclama:
-Eis o maior mistério do universo e uma das criações do Onipotente, dando-te provas da existência do ser perfeito e superior em todas as geometrias divinas. Ó Mulher! Nada foi criado por acaso, nada veio por imprevisto. Até mesmo a tua geração delimitada nos condões humanos não fora uma causalidade. Ergues o teu espírito, mulher! E sentas em tua porta na espera da brisa fria e serena, alegrando o coração na comunhão.
Dali a ventania seguiu uivando numa cauda elástica e eletromagnética entre os verdes arbustos da beira da estrada vicinal. Calada, a senhora se sentou num apoucado tamborete de couro na calçada. Em minutos, a brisa macia sacudia a última folha da palmeira num balançar afetuoso, alertando que chegava por cima das árvores.
Numa visão lógica, a campesina aprendeu a observar a presença do vento em tudo, e dizia:
-Lá se vem o vento passando nas últimas palhas da palmeira. Bonito, ali vem ele todo zeloso e macio validando a melodia da vida. Ninguém dá valor a essa criatura de Deus, nem mesmo os sábios homens das leis.
Ao nobre Claudio Poeta
Esta pequena obra lavrada no ano de 2003, foi a juntada dos rascunhos laborados no mês de outubro de 1974. Abreviando que no mês de março de 2003, eu tive o último encontro com o professor Valter Costa e Silva que me contou os detalhes do acontecido que marcou, e o tempo não apagou da vida do autor a verdade que eu já sabia sem confirmação. Entrando nos percalços da simbologia desses instantes. Não poderia me olvidar de entregar ao meu melhor amigo das letras Cláudio Poeta, um pedaço do meu início na vida literária, onde naveguei com o vento e ainda me leva em outros horizontes sem desafiar o tempo que um dia eu sonhei ser um poeta.
Mesmo assim e assim mesmo, nunca parei de escrever as exaltações do ser humano frente à natureza. Por isso, este trabalho é dedicado com louvor ao amigo Claudio Poeta.
Era o mês de agosto daquele ano de 2003, a claridade solar abundantemente invadia com o ar quente e seco todo o verde da terra dos Cocais. Coruscava apenas o auriverde das colossais palmeiras de babaçu na imponência imperativa da longa caatinga perdida entre as matas despidas do mofumbo e tinguis. Na densa mata seca somente o mofumbo erguia o aparato de proibir o nascimento de qualquer outra planta ao redor da sua realeza. Com folhas e frutos, a abelha jandaíra cercava com beijos no labor da estação que se estendia por toda a chapada. Em outro ponto histórico, os índios Guanarés utilizavam as folhas e frutos para estimularem os apetites sexuais e como erva medicinal no tratamento de doenças como a coqueluche e demais tosses. A tremenda secura debruçada naquele lençol inóspito entre os galhos improdutivos do vasto tapete de folhas secas aos pés inundava o solo na gradação clara e cinzenta da pobre região.
A localidade conhecida como Sambaíba no segundo distrito da cidade de Caxias, Estado do Maranhão era embebida pela radiante fonte de calor daquele mês. Da miúda janela de talos de buriti da habitação da senhora Marília, o vento se inclinava numa curva que ficava na pequena salinha, refrescando o corpo da campesina. A pequena residência coberta de palhas de babaçu e paredes de barro amarelo cinza sustentava uma divisória de igual construção entre a sala e o único quarto com duas janelas.
O verão impetuoso daquela estação fervia por toda a região, e os pássaros pulavam entre os galhos de pau pombos, revoando no ápice das palmeiras num rito nobríssimo do capoeirão. Entretanto, as belas tardes com a luz celestial se apagando entre o destino do anoitecer no fim do horizonte avermelhado, transmitiam a cadência melódica da invasão. Ocasião em que uma corrente fria rebatia nas últimas palhas das palmáceas esmeraldinas e durante toda a estação cumpria o vento a missão, acentuada de correr entre os arbustos.
Certo dia, com a crescente derrubada e queimada de árvores para a implantação de roça no toco, o vento se rebelou naquela sustentabilidade entre milhões de palmeiras agonizantes. Rebatiam para um lado e outro com línguas caudalosas de fogo, aquecendo a terra e partindo para outras bandas os insetos, pássaros e os animais silvestres. A grande energia andava velozmente com barulho ensurdecedor nas vizinhanças despejando furor na força da terra como resposta da maldade inapropriada do uso abusivo da propriedade ruralista. O chão da caatinga se transformava num inferno amarelo e vermelho, esgotando num irreversível processo de equilíbrio ambiental, transmudando o clima, a fauna, a terra e se perdendo a flora, ao favorecimento aos pobres agricultores a fertilidade de suas futuras plantações miseráveis sem apoio governamental.
Passados alguns dias, a calmaria celebrou novos acordes entre a natureza e o homem. E o vento frio das seis horas da tarde quebrava na magnitude do torrão sertanejo a contagem das estações maduras. Assobiando lentamente, este atravessou com robustez uma camada de ar frio, penetrando pela janela da casa da senhora Marília. Sacudindo as pontas das palhas branquicentas da paupérrima coberta, ele apagou a luz da lamparina num prisma invisível e tão abstrato ao calor humano. Logo, a mulher campesina se sentia feliz todos os dias com a aragem refrescante ao anoitecer.
Um dia Marília, sentada num pequeno tamborete de couro de veado na salinha, preparava os recortes de folhas de papel de seda com variadas cores na confecção de bandeirolas. Era uma sintonia que remarcava as festividades da morte do boi da Sambaíba em seu oitavo mês.
Reclamando, falou sozinha:
-Que calor danado! Não sei o que tá acontecendo com o vento das seis horas. Ainda não passou por aqui. E desse jeito eu não aguento.
Ali, parada, sem se importar com o avançado horário que transcorria nas calçadas do tempo, Marília apressou-se para entregar a encomenda dos festejos do boi. De repente, a aura que não olvidava de fazer esses benefícios diariamente, não tardou. Adentrou pela janela, invadiu a salinha, fez redemoinho e se rebateu na parede de barro, elevando as folhas de papel de seda ao ar, espalhando por todo aquele pequeno casebre.
Marília, não se conteve e falou em bom-tom:
-Que porcaria de vento! Jogando todo o meu serviço fora. Essa é demais. Agora, eu não sei o que fazer com tanto papel jogado pelo chão. Ó vento ordinário, filho dos infernos. Dessa vez a vaca foi pro brejo da disgrama. Só faltava essa mesmo.
Após meia hora, a brisa fria partiu, e Marília não teve como pegar os papéis no escuro. Irritada com a ventania dentro de casa não localizava a caixa de fósforos, pensativa saiu em direção à casa da vizinha.
Certo dia, Marília sentou-se na sala para descansar um pouco da labuta, entregando-se ao trabalho de costura à mão, vez que não dispõe de recursos para comprar uma máquina. De modo que ela reunia várias peças de tecidos de chita, alguns vestidos enormes e saias avantajadas coloridas. Ainda apressada num ponto corrido daquela costura, a ponta da agulha subia e descia numa velocidade incrível acompanhada de um rabo de linha.
Designando o andamento, ela buscava o conforto de suas atitudes, porém, a linha na agulha percorria trilhas escuras pela lateral da saia metido num ponto invisível da parte do tecido pelo lado avesso. Já bastante nervosa com a alta temperatura, reclamou sozinha.
- Que calor danado! Já me banhei três vezes e não aguento mais. Parece mais um inferno este lugar. Ó que diabos das pernas tortas!
Sem demora, o crepúsculo despontava, e a mulher introduzia o semblante na janela, observando se o vento já havia chegado na estrada. E assim, disse:
-Eu hein! Hoje o vento não entrou por aqui e nem passou na porta de casa. O que será que tá acontecendo? Na certa ele deve tá namorando as luzes do arco-íris lá na baixa da égua. Só pode. Esse calor me sufoca e me deixa quase louca e agitada. Ó que diabos!
Duas semanas se passaram, e numa tardinha, a campesina se encontrava sentada à porta da residência com uma agulha às mãos, erguendo-a para olhar o minúsculo orifício empurrado com os dedos na ponta o fio de linha.
Uma senhora conhecida como Carmosina que passava naquele local, cumprimentou, dizendo:
-Oi comadre! Como vão as coisas por aí?
-Não estão muito bem não. Com esse calor que espanta até o vento, me deixa dominada sem ver navio. Já está com mais de duas semanas assim, comadre.
Carmosina, abismada com tais episódios, afirmou:
-Comadre, lá em casa tá bom demais. Agora mesmo tá correndo um vento leve e frio pra todos os lados. Se não me falha a memória, o vento nunca deixou de passar lá em casa. E todas as tardinhas ele chega de mansinho na varanda.
-Verdade comadre? E como pode acontecer uma lazeira dessas comigo.
-Sim. Eu não preciso aumentar ou diminuir os fatos, só tô lhe contando.
-Sei. Entendo. E pra onde vai desse jeito, bem arrumada?
-Eu vou à casa do Chico Piaba falar com a Maria sobre um arroz com casca que ela comprou e não deu mais as caras.
-Esse povo compra e não paga o que deve. Até mais e vá com Deus.
A mulher se retirou, e Marília foi averiguar na casa da Carmosina se o vento frio corria forte por aquelas bandas. Ao se aproximar, ela notou que a atmosfera dobrava pelo gigantesco pé de tamarineiro que separava as duas propriedades. Com isso ela ficou bastante apoquentada por constatar que a ventania não alcançava a sua residência.
E numa tarde do final do mês de agosto, ela sentou à porta, vez que dentro de casa o seu corpo exalava suor, deixando a roupa completamente molhada. Novamente, a mulher foi na propriedade vizinha para ouvir o barulho do vento no pé de tamarineiro. E num gesto indignado discorreu sozinha, olhando o vento balançar forte a árvore e demais plantas.
-Vento! Ó meu vento! Por que tu não passas mais por minha casa e não entra pela minha janela? Afinal de contas tu não andas por todos os lugares? O que tá acontecendo contigo? Cadê a tua liberdade?
O vento assobiou forte realizando uma curva com redemoinho pelo pé de tamarineiro sem dar a mínima atenção aos clamores da mulher.
Inconformada, ela gritou.
-Vento! Vento! Vento do norte ou do sul! Qual a diferença existente entre a minha choupana velha e a bela casa da minha comadre? Por que tu dobras na tarde pelo pé de tamarineiro e não passas pelas minhas palmeiras da minha porta? Eu fico aqui quietinha lhe aguardando.
O vento enfurecido levantou a saia da agreste, e disse:
-Por que tu me amaldiçoaste? Ó mulher do meu sertão de Caxias!
Negando, ela articulou:
-Eu não fiz isso, meu vento. Eu não teria essa coragem de falar asneiras.
-Por que mulher da Sambaíba aspira a minha ruína?
-Não. Pelo amor de Deus! Eu não desejo nada disso. Acredite vento!
Como posso dá crédito. Afinal, que mal eu fizera? Se eu tenho secado as tuas roupas no varal todos os dias e abraçado todas as tardes o teu corpo com o meu ar frio, e nada me compensou.
-Possa! Quem disse que tu secaste as minhas roupas no varal? Tá enganado com a vara curta do senhorzinho. Não sabe que foi o sol do meio-dia que secou todas as roupas?
-Mulher! É difícil compreender a humanidade. Nem todos possuem a ciência da vida. E poucos conseguem iluminar a trindade universal dos meus olhos invisíveis. Quando entro em tua casa ambicionando os melhores ares, é somente pra confortar a tua existência na terra. E por todas as verdades, eu nunca fui agradecido por isso. Contudo, por derrubar alguns papéis do teu labor numa única tardinha, eu fui severamente excomungado. Tu vejas senhora, que durante toda a tua vida, assoprei o teu corpo, e nunca reparaste o meu trabalho.
-Verdade vento?
-Sim. Só hoje pela manhã já beneficiei as palhetas na geração de energia eólica na Dinamarca, andei pelo Ceará, já retirei bilhões de moléculas de água transpirada pelos homens e árvores no mundo para aumentar gradativamente a evaporação. Empurrei as ondas de todos os oceanos e mares. Desviei muitas aeronaves de desastres nos céus, assim como facilitei empurrando pra frente nas correntes de jato. Já abrir bem cedo os olhos dos jovens com as ondas pelo Havaí, Copacabana, Barra, Ilhas Canárias e todas as belas praias do Caribe na prática do windsurf velando a beleza da natureza. E tudo depende de mim. Eu sou um rei nesse universo louco e desumano. E já polinizei milhões de flores acompanhados de chuvas ou não. Levei bilhões de sementes entre vários lugares do planeta para que a terra não sofra no futuro o desequilíbrio ambiental. A humanidade é sempre assim, nunca usa a sabedoria para viver e não aprende o que já foi escrito como exemplo. Somente sabe exterminar, amaldiçoar, matar, mentir e roubar. Enfurecendo contra si mesmo e guerreando com outros de pouca fé. Essas gerações não entendem e não se advertem com os meus ensaios que posso levar o planeta terra para a escuridão. Eu sou o mistério que os homens não o conhecem.
-Não é sincero, Ó Vento!
-Mulher! “A lei da natureza não tem olhos e nem braços e age de forma incompreensível” perante os homens. O que sai da tua boca em tabuísmo não evoca bons procedimentos. Eu sou a vida abstrusa que não vês, porém, sentes a minha presença ao teu redor de forma contínua. Saiba que eu sou essa massa circulatória nas diversas correntes.
Pronunciou a mulher:
-Em tudo acredito vento.
Ainda, brotando roncos violentos, o invisível assentou próximo da camponesa, e soltou:
-Eu sou a brisa extremosa e sou um furacão enlouquecido pelas encostas continentais.
Ainda arrancarei o telhado da Casa Branca arremessando nas águas do Pacífico como retranca pelos abusos em guerra e uma economia universal capaz de inviabilizar a vida de todos no planeta. Acaso não direciona as suas questões políticas ao sistema de paz ao mundo, aduzindo nas plataformas os baldes repletos de sofrimento humano, em especial aos países pobres da África. Então, por que me amaldiçoaste, Marília?
Ela, já bastante nervosa e baixando a cabeça, então disse:
-Eu nunca ti amaldiçoei, Ó vento! Como eu poderia dizer tudo isso contigo? Não és invisível? Onde estão os teus ouvidos para me ter escutado?
A ventania furiosa açoitou as folhas da bananeira, lançando ao chão. Argumentando em seguida:
-Mulher! Que tu não mintas para encobrir uma verdade. Não utilize as palavras e frases para atingir o objetivo em sua defesa deficiente. Esta é a enfermidade da humanidade que se aproveita em disfarçar a vida que leva, achando que outras pessoas são bobas ou nada entende. Não sou o teu julgador, mais posso manobrar os meus rumos por onde não me desejam. Que tu vejas que como um sábio onde não articula provas com um mentiroso, e brinda com alegria o pequeno disfarce brotado da arte afirmativa de quem não é verdadeiro. Eis o teclado onde navegas na lentidão dos teus pensamentos, forjando na luz dos olhos a semente da improbabilidade.
A senhora, sentindo-se ferida pelas veracidades pronunciadas, retorce o corpo e improvisa:
-Vento, Ó vento! Eu nunca pensei que as coisas abstratas da natureza tivessem ouvidos.
E que somente os animais irracionais pudessem ouvi-los ao seu modo sem a compreensão dos humanos.
E naquele instante, o vento já bastante enfurecido, gira em alta velocidade levantando poeira vermelha do barro da estrada vicinal, rebatendo numa árvore ao lado da casinha, quebrando-as. Então ele disse:
-Que tu vejas a minha boca num sopro. Não duvides das propriedades do criador.
-Lembre-se que a minha força derruba arranha-céus, aviões, inunda rios e mares, tudo o que possa existir como castigo de Deus sobre os humanos. É assim que me ouves quando chego, batendo em tudo que encontro pela frente. Ouça-me no pé de amêndoa agora? Se quiseres, levo para bem longe as palhas do teu inóspito casebre. Sou intenso e tu não me vês quando chego.
A mulher silenciando, chorou e se ajoelhou perante o invisível. E derramou lágrimas no chão sem dizer uma palavra. O vento então falou:
-Levante-te mulher do capoeirão! Não condenas as coisas do teu criador. Pois ele é único Senhor de todas as coisas do universo e fizera com amor para que tu pudesses desfrutar e gozar sem amaldiçoá-las. Eu, por acaso já amaldiçoei a tua castra? Os teus passos?
A mulher ainda lagrimando, sentiu o peso e disse:
-Perdoa-me vento. Eu sempre estou errando nesta vida.
-Eu não saberei perdoar a voz humana. Essa mesma boca que fere e destrói não pode falar em clemências. Contudo, fica registrada a presença desse sentimento em lagoas de prantos. Amem-vos as coisas da criação, ela será o leito e o conforto de suas provisões pelo futuro. E não façais das vossas mãos, os calos das ambições e maldições de vossas bocas. Seja-as como as crianças que nada conhecem e não se atribuem de poder e inveja.
Num traço alongado de palavras, disse o vento:
-Mulher! “O teu cérebro também enxerga e ouve dentro da massa cerebrina”, em tudo há uma audição. Não acreditas? Por isso, não me enganes, “O falsário engana a muitos até a si próprio”. Não sabe que “a mentira ainda é o argumento mais fiel do covarde”, aliando ser fido aos lances como verdadeiros. E a vida continua nas dimensões galácticas, pois, “uma estrela brilha até o dia em que se explode” para gerar outras vidas. Assim como tu tens o dom de ser mãe no espelho da perfeição do Senhor. Peço-te que nunca execre uma noite, e quando tu souberes que “as noites servem para mudar as cores da natureza”. Verás no íntimo da alma que as transformações da tua face também alteram nos dias. Ó sertaneja! Não esqueças tu que um dia um pobre menino das terras dos cocais observou demasiadamente o céu negro, e certa vez disse ao tempo: “Existe uma energia no infindável universo, capaz de revolucionar a mente humana.”.
Encalistrada a senhora indagou:
-O que este menino viu naquela noite escura sem as luzes das estrelas? E faz tanto tempo assim?
-Ele viu o inusitado do alto de uma mangueira do quintal quando as suas pupilas derramavam gotas prateadas na idade de quatorze anos. Naquele ano de 1974, uma fraude num concurso de poesia abalou aquele miúdo. Com a nota de quatro jurados que foram unânimes para validar a nota máxima de número 09 (nove) pronunciada perante todos os presentes. E numa envergada falcatrua, inverteram os papéis com as quatro notas escritas para o número 06 (seis). Assolando que um pequeno da segunda série do ginásio (ensino fundamental) além de ser gago não poderia levar o prêmio na disputa com os poetas concorrentes do científico (ensino médio ou segundo grau). Restando apenas a última premiação com o terceiro lugar com um diploma.
E como ele descobriu? Ele já sabia desse acontecimento?
-Eis a questão a ser decifrada nas horas e tempo. Ele tomou conhecimento no resultado. E um dia um admirador e professor daquela época - professor Valter Costa e Silva, indagou se o mesmo ainda escrevia poesias e que gostaria de contar um fato que ardia na sua mente há muitos e muitos anos. Lamentou aquele mestre que houvera a maior covardia contra aquele menino na apuração das notas, detalhando que suas notas foram 9 (nove) e que viraram para o número seis na tentativa de apagar a sua presença naquele certame estudantil com o primeiro lugar. Tendo o mestre afirmado não ter tomado parte daquela tramoia elaborada na luz do dia. Mais limpava o coração em contar a verdade ao advogado que um dia foi o um menino sacudiu todas as carteiras escolares com a Poesia Minha Pátria.
-O que fizera o menino poeta ao saber do resultado?
-Ó mulher sertaneja! Ele não quis receber o prêmio como terceiro lugar, saindo em disparada ao ouvir a sua colocação rebaixada para 6 (seis). E à noite, ele subiu às escondidas dos familiares nas últimas galhas da mangueira para conversar com o tempo.
Era uma noite caminhando para a madrugada, lastimando em dores, suas pupilas derramavam inocentes lágrimas. Ali sentado num pedaço de tábua improvisado no apogeu da mangueira era a sua escrivaninha entre várias latas de leite vazias, porém repletas de belas poesias e pensamentos. Em prantos, aquele versejador rasgou em pedacinhos a poesia Minha Pátria para nunca mais alguém na terra lê-los, permanecendo com ele apenas uma cópia reprográfica do seu maior título.
-E tu, o que fizeres?
-Ó mulher do capoeirão! Desci docemente pelas encostas dos quintais vizinhos, e ele me observou dizendo: Vento! Ó vento, levas para ti o que esta poesia me fizera tanto chorar. Juntei os fragmentos das letras manchadas com seus prantos e evaporei o meigo escorrido de sua face. Por isso, ele me disse escrevendo num pedaço de papel de embrulho de pão: “O vento assobia nas minhas horas tristes, e dança nas últimas palhas da palmeira construindo estrofes nos meus olhos”.
Em seguida, a sertaneja choramingando entrecortada de suspiros, indagou:
-O que faço então, Senhor dos ventos? Rendo-me aos teus pés sem saber onde estais e fecho as minhas velas da minha face de labutas, ofertando graças.
O vento reinando naquele local impulsiona rajadas de cortes nas folhas das pequenas árvores: E proclama:
-Eis o maior mistério do universo e uma das criações do Onipotente, dando-te provas da existência do ser perfeito e superior em todas as geometrias divinas. Ó Mulher! Nada foi criado por acaso, nada veio por imprevisto. Até mesmo a tua geração delimitada nos condões humanos não fora uma causalidade. Ergues o teu espírito, mulher! E sentas em tua porta na espera da brisa fria e serena, alegrando o coração na comunhão.
Dali a ventania seguiu uivando numa cauda elástica e eletromagnética entre os verdes arbustos da beira da estrada vicinal. Calada, a senhora se sentou num apoucado tamborete de couro na calçada. Em minutos, a brisa macia sacudia a última folha da palmeira num balançar afetuoso, alertando que chegava por cima das árvores.
Numa visão lógica, a campesina aprendeu a observar a presença do vento em tudo, e dizia:
-Lá se vem o vento passando nas últimas palhas da palmeira. Bonito, ali vem ele todo zeloso e macio validando a melodia da vida. Ninguém dá valor a essa criatura de Deus, nem mesmo os sábios homens das leis.
Ao nobre Claudio Poeta
Esta pequena obra lavrada no ano de 2003, foi a juntada dos rascunhos laborados no mês de outubro de 1974. Abreviando que no mês de março de 2003, eu tive o último encontro com o professor Valter Costa e Silva que me contou os detalhes do acontecido que marcou, e o tempo não apagou da vida do autor a verdade que eu já sabia sem confirmação. Entrando nos percalços da simbologia desses instantes. Não poderia me olvidar de entregar ao meu melhor amigo das letras Cláudio Poeta, um pedaço do meu início na vida literária, onde naveguei com o vento e ainda me leva em outros horizontes sem desafiar o tempo que um dia eu sonhei ser um poeta.
Mesmo assim e assim mesmo, nunca parei de escrever as exaltações do ser humano frente à natureza. Por isso, este trabalho é dedicado com louvor ao amigo Claudio Poeta.