MEU AMOR, O BOTO ( CAP. 5 DE 9)
Aquilo foi um golpe para Isabel e também para Josias, que ficou mudo logo que as primeiras informações sobre o paradeiro da mulher lhe foram passadas. A garota empalideceu. Quer dizer que Marisa se aproveitara do sono dela para se mandar da vila? E abandonar marido e filhas, sendo que uma estava grávida? Não, não podia ser verdade, Isabel dizia para si mesma, inconsolável.
- Não pode ser verdade - disse Josias por sua vez, lá de dentro da cozinha, com a voz incrivelmente rouca.
- Desculpe, amigo - pediu o outro, constrangido - Mas eu tenho praticamente certeza absoluta que era sua mulher.
- E quem era o outro que estava com ela? - indagou Josias em um fio de voz.
- Não sei, nunca vi. Certamente um caminhoneiro como eu. Foi pura coincidência nos encontrarmos justo naquele posto. Eu nunca paro ali.
Isabel não podia ver a expressão do rosto do seu pai, contudo tinha certeza de que ele estava pálido e com as mãos trêmulas. Coitado, murmurou ela para si mesma.
-E… e como ele é? - Josias relutou em fazer aquela maldita pergunta, mas tinha de saber como era o homem que havia levado sua mulher.
- Jovem, alto, bem apessoado.
Silêncio na cozinha. Isabel chegou a se sentir nauseada, agora sentindo um ódio profundo da mãe. Ela usara a história do boto para poder fugir da vila.
- Desculpe, Josias - disse o homem, também abalado - Eu não podia deixar de contar isto para você.
Quando Josias respondeu, sua voz estava tremendo e falseando:
- Agradeço-lhe muito, meu amigo. Confesso que… bem, estou feliz por ela não ter morrido.
Feliz coisa nenhuma, estrebuchou Isabel para si mesma, penalizada do pai. Sem vergonha, vadia, prostituta! Era isto o que sua mãe era! Lá dentro, Josias ainda comentou, tentando fazer uma graça:
- Veja, eu já logo arranjei outra para mim também.
Os dois falaram mais algumas coisas, entretanto Isabel não se interessou por mais nada. Afastou-se da porta e começou a fingir que estava tirando o pó dos móveis. Quando os dois homens finalmente saíram da cozinha, Josias era a imagem do desconsolo. O amigo saiu e o pai de Isabel sentou-se na rede, em silêncio, olhando para o nada.
- Pai, você está doente? - perguntou Isabel, aproximando-se - Quer um chá?
Ele olhou para a filha caçula e respondeu com os olhos - e o coração - vazios.
- Vou para o bar beber.
E dizendo isto, Josias saiu porta afora, rumo ao boteco encher a cara. Irene estava dando o peito para o filho. Se ela contasse a história para a irmã, talvez o leite até secasse. Mas sua avó materna precisava saber! Afinal, ela achava que sua filha estava morta! Deixando todas suas lides domésticas para trás, Isabel saiu porta afora, tendo como destino a casa de dona Chica. Ah, ela precisava saber o quão depravada sua única filha era.
Isabel encontrou a avó sentada na cozinha, às voltas com suas rendas. Ao ver a neta mais nova entrando intempestivamente e com uma expressão sombria, a velha se assustou.
- O que houve, menina? Por que esta palidez?
- Benção, vó - disse ela, quase sem respirar - Descobri uma coisa.
- Morreu alguém? - perguntou dona Chica, arqueando a sobrancelha.
- Ninguém morreu. Este é o problema.
A garota pegou um banquinho e puxou para perto da avó.
- Um amigo do papai esteve lá em casa agora.
Dona Chica achou estranho que a neta estivesse falando em um tom mais baixo que o habitual e chegou para frente a fim de poder escutar melhor.
- Que amigo?
- O caminhoneiro.
A velha não disse nada, concentrada nas suas rendas. Mas os ouvidos eram todos para o que a menina estava prestes a revelar.
- E o que aconteceu?
- Vó - Isabel começou a falar, tremendo de raiva - o homem jura de pé junto que viu minha mãe em um posto de gasolina. Vão uns duzentos quilômetros daqui.
Para espanto da moça, a velha continuou com seu trabalho. E nem se mexeu. Isabel prosseguiu, baixando mais ainda a sua voz:
- Com outro homem.
Dona Chica novamente nem se mexeu. Aborrecida, Isabel indagou:
- Você não vai dizer nada?
- Não há o que se dizer.
- Como não, vó? O amigo do meu pai jura que minha mãe está viva! E você não tem nada para dizer?
- Eu já sabia.
... CONTINUA ...