BONECO DE NEVE
A neve caía branquinha. Cobria toda a cidade.
As crianças brincavam. O mais velho deu a ideia de
construir um boneco de neve. Logo, a criançada começou
a construção, com baldes, pazinhas seguia feliz
a empreitada. A criança mais velha somente moldava,
organizava seus companheiros conforme a idade.
Construiu-se a base. Reuniram-se todos e ficaram
a contemplar carinhosamente a criação. Descansaram.
Faziam planos para o dia seguinte. Cada um
viria com uma peça de roupa para vestir o boneco:
um traria cachecol, outro traria um chapéu velho que
o pai não mais usava, outro tampinha de garrafa descartável
para fazer os olhos e botões da blusa; enfim
cada um procuraria o que trazer para deixá-lo com
uma boa aparência.
A noite cai. A criançada procurou dormir cedo
para levantar mais cedo ainda e continuar a construção.
Cada uma delas possuía uma paz e satisfação por
participar da criação de tal criaturinha.
As portas se abrem. A neve ainda estava muito
espessa e o frio era muito intenso. Baldinhos, pazinhas
se unem novamente. Continuam seus ofícios. A segunda
parte concluía-se. A cabeça já estava moldada.
Três partes unidas em uma só. A menorzinha questionava
como se colocaria o coração no boneco, pois ele
deveria ser capaz de amar seus amiguinhos, pois a sua
mãe lhe falou que o amor vem do coração, e é ele que
nos faz ser capaz de amar...
Os braços de galhos eram como se tivessem dedos
nas pontas. Os olhos de tampinhas de garrafas
descartáveis eram azuis. O chapéu velho trazido pelo
garoto ruivo era na verdade uma cartola velha, mas
deixou o boneco como um aspecto de cavalheiro.
O cachecol e os botões foram engenhosamente dispostos.
O nariz teve que ser fabricado. Um pedaço de
papel vermelho feito cone deu um ar de gripado ao
boneco. A boca foi um desafio ao grupo. A menorzinha
fez cara feia da expressão infeliz do “boeco”. Não
queria ela um risco. Queria uma forma de uma metade
de lua. Ele deveria ter cara de feliz.
Em um zape, as crianças concluíram. Houve
uma grande comemoração. Os gritos de alegria se sucediam.
Era para elas um dos dias mais felizes de suas
vidas.
A escuridão caiu. Eles se recolheram, meio que
a contragosto. Nas janelas, todas vigiavam o boneco,
como se alguém pudesse levá-lo dali. Com certeza
todos sonhariam com o resultado do suor de seus
rostos.
A solidão da escuridão deu a uma fadinha que
passava por ali a ideia de dar vida ao boneco. Ela perguntou
a ele qual seria seu desejo, ele respondeu que
gostaria de subir o monte mais alto daquela região e
ver toda a cidade e o vale onde ela se localizava, com
toda sua natureza exuberante e os mais longínquos lugares
em que pudesse avistar. E como num passe de
mágica o boneco já podia andar.
Iniciou sua subida, mas antes se despediu da
fada, que se perguntava o porquê dele não querer ser
um garoto... A nevasca que caía não fazia com que
nosso herói desistisse de sua jornada. Em poucas horas
já estava no mais alto de um monte que naquela
região era o maior.
De lá de cima, admirou as luzes que brilhavam lá
embaixo. Lembrou-se das crianças e seus empenhos
para formá-lo o que era agora. Desejou em sua curta
vida de boneco ser uma gigantesca bola de neve.
Pensou em rolar o monte ganhando assim tamanho
e força. Novamente em seus ouvidos ecoaram os gritos
repetitivos da molecada. Pensou que se de lá de
cima rolasse possivelmente causaria uma avalanche
e um imenso estrago nas suas casas que no vale estavam
erigidas. Sentia ainda pulsar em seu peito um
coração imaginário que a menorzinha o criara. Batia
assim uma saudade do chão que o acolhera e decidiu
se eternizar pela alegria oferecida às crianças. Resolveu
voltar ao seu lugar.
Na metade do caminho, um lobo que o acompanhava
sem ser percebido o questionou por que não
descia rolando, iria mais rápido. Justificou o boneco
que dessa forma era a correta, pois se rolasse a muitos
machucaria; principalmente aqueles que dedicaram
muito a ele. Em pouco tempo este serzinho absorveu
o que de melhor havia nas pessoas: a preocupação
com aqueles que dedicavam pelo menos um pouco
de suas vidas aos outros, sorrisos, a criatividade,
a união, a pureza, a malícia ingênua, a preocupação
com o semelhante; enfim ele conheceu a pureza do
coração das crianças.
Chega novamente àquele lugar a que reconheceu
como sua casa. Durou poucos dias, pois logo chegou
a primavera e com ela os primeiros raios de sol.
Imaginou que sua missão de boneco estava cumprida
e amanhã faria parte das águas que subiriam ao céu
e de lá retornaria alegremente em um novo ofício - o
de água - levando vida a todos os lugares até chegar
novamente ao imenso e indescritível mar.
(Marcio J. de Lima)