A promessa da Deusa

Para a terra sem retorno, a terra da escuridão, Ishtar filha da Lua, dirigiu seus pensamentos um dia.

Para a casa das sombras, a casa sem saída, a estrada de onde não existe viragem, a casa sem luz.

O lugar onde o pó é almoço e o barro o jantar.

Para o reino dos mortos no submundo, a terra de Irkala, a deusa do amor caminhou.

Deteve-se diante dos portões, cingindo um vestido das asas dos pássaros do paraíso.

Ishtar gritou insolente, para o porteiro:

-Guardião dos portais, eu te ordeno que abras o portão!

Abre a tua porta para que eu possa entrar!

Se tu não abres o portão eu irei arrancá-lo, vou esmagar os umbrais, forçar a entrada.

Eu trarei os mortos para fora e eles comerão os vivos.

O porteiro retrucou:

-Senhora, desista. O portão não pode destruído.

Eu irei anunciar vosso nome para minha rainha, Ereshkigal.

O porteiro entrou e disse à rainha dos infernos:

-Vossa irmã Ishtar se encontra à entrada de Irkala.

Ereshkigal tremeu de raiva, a hostilidade assomou-lhe.

-O que há com ela? Acaso pretende morar comigo?

Vai, pois, Porteiro, e abre os portões para ela.

Que ela seja tratada conforme o antigo rito.

O porteiro abriu então o primeiro portal para a deusa.

-Entrai senhora, e alegrai com tua presença a casa sem retorno.

Dito isso arrancou de Ishtar a sua coroa brilhante.

A deusa perguntou-lhe:

-Guardião dos portais, porque ousas tirar minha coroa?

O porteiro respondeu:

-Entrai senhora; estes são os decretos de Ereshkigal.

No segundo portão ele lhe tirou os brincos; no terceiro tirou o colar; no quarto os ornamentos dos seios; no quinto o cinturão cravejado de jóias; no sexto removeu as lantejoulas dos seus pés; no sétimo levou seu vestido.

Ishtar se apresentou nua diante de Ereshkigal.

A deusa dos infernos,diante da esplendorosa visão daquele corpo jovem e sensual, se irritou mais uma vez com o porte altivo da visita.

Ishtar,porém, irrefletidamente, zombou de sua irmã,a senhora da morte.

Ereshkigal ordenou pois seu servo, Namtar, aplicar uma punição para a deusa do amor; ele a castigou com doença, decrepitude e prisão.

Após a ida da senhora Ishtar para a terra dos mortos, as flores não mais floresciam no mundo, o boi não montava a vaca, a mulher não procurava o homem na cama.

O deus da lua, Ea, de coração sábio, fez nascer uma criatura para resgatar a deusa do amor.

Do pó das suas unhas ele formou ‘’Asushunamir’’ o resplandescente, o macho-fêmea.

Asushunamir, o gracioso, nem homem nem mulher.

-Vai Asushunamir, para a terra do esquecimento.

As sete portas de Irkala se abrirão diante de tua formosura.

Que Ereshkigal se alegre na tua presença.

Vai e distrai a atenção dela.

Quando a senhora dos mortos se apaziguar, pede da água da vida e borrifa-lhe sobre Ishtar.

Traga-a de volta para o mundo dos vivos.

No palácio escuro de Ereshkigal Asushunamir apareceu; ele cantou e dançou para a deusa dos infernos.

Depois disso ele pediu a água da vida e ela lhe concedeu.

Secretamente Asushunamir derramou a água sobre o corpo putrefato de Ishtar e ela reviveu.

A deusa do amor voltou, pois, da terra dos mortos, mas Asushunamir foi amaldiçoado por Ereshkigal.

-Tu vais comer comida da sarjeta e beber água dos esgotos.

Será um estranho na tua própria casa, e um exilado entre os teus parentes.

Os teus te recusarão, o bêbado te golpeará e os poderosos te prenderão.

Asushunamir chorou.

A deusa do amor, a senhora do céu, porém, consolou Asushunamir.

-Por muitas eras tu irás sofrer.

Aqueles que são iguais a você, os assinnu, o kalum, os kurgarru e os kalaturru, os amantes de homens e as mulheres sagradas de meus templos irão se lembrar de mim nestes dias sombrios.

E eu darei abrigo a vocês.

Você terá a dádiva da profecia e da cura, e a sabedoria da lua e da terra.

Quando alguém trouxer a água da vida de Irkala os leões no deserto dançarão e você será libertado do feitiço de Ereshkigal.

Baseado em ‘’DESCENT OF THE GODDESS ISHTAR INTO THE LOWER WORLD’’ de The Civilization of Babylonia and Assyria, M. Jastrow’’