Três Desejos
Três Desejos
(Renan Flores)
- Senhor gênio da lâmpada.
Não que eu seja ingrato ou mesquinho, mas me ouça e verás que tenho razão.
Passei pelas Américas, caí na velha Europa. Viajei à África, Ásia e Oceania. Cruzei o mundo fugindo do pior de todos os monstros, e vejo que nunca estarei livre dessa perseguição. Senti frio, fome, solidão. E cá estou, sofrendo os horrores do deserto e suas miragens, quando me aparece um gênio da lâmpada. Um gênio da lâmpada! Sem nada cobrar ou pedir, me concede três desejos de qualquer espécie. Três vezes a opção de ser eternamente feliz! Que tipo de homem se entristeceria com tamanha sorte? Eu sou esse homem e repito: três desejos não me são suficientes. Nem três, nem trezentos e nem três mil desejos são suficientes para me livrar do horror que me persegue.
- Devo dizer que suas afirmações se alicerçam em tolices, meu amo. Por acaso duvida da capacidade do poderoso gênio que aqui se encontra?
- Não, não duvido. E o que digo não é tolice. Nenhum de teus três desejos pode me salvar.
- Falas de um horror sem precedentes, que o persegue aonde quer que vá e não o deixa de perseguir. Que horror é este? Conta-me e usarei todo meu poder de gênio para te livrar desta aflição. Quem é teu monstro?
- Meu monstro sou eu. Nada que você possa fazer pode me livrar de mim.
Quando corro, estou logo atrás. Quando paro, paro junto. Quando procuro abrigo, me abrigo comigo. Quando adentro uma porta, entro junto. O único jeito seria me matar, mas confesso que tenho medo da navalha. Ou isto ou...
- Ou? Diz-me o que desejas e o farei.
- Desejo um novo rosto, que seja diferente deste. Mais estreito e mais alongado. Desejo uma boca diferente, maior ou menor, com dentes mais tortos e amarelados ou mais alinhados e brancos. Lábios diferentes também. E orelhas. Orelhas novas e diferentes.
Desejo olhos de outra cor. Azuis, amarelos, verdes ou até mesmo a brancura da cegueira! Mas livra-me destes meus olhos castanhos. E também meus cabelos castanhos. Castanhos e ondulados. Os detesto! Dê-me cabelos novos. Sejam eles louros, brancos, longos, curtos ou até inexistentes! Mas que sejam diferentes.
Desejo, senhor gênio da lâmpada, um novo corpo. Ombros mais estreitos, braços mais ossudos, dedos mais alongados. Desejo menos pelos em meu peito. Desejo qualquer outro problema de coluna, que não seja escoliose, pois já a tenho.
Desejo também quadris mais estreitos, pernas finas e pés menores ou maiores, mas que não sejam número quarenta e dois. E, se me permite a ousadia, quero também um bumbum menor.
Dê-me uma nova estatura, um novo peso, uma nova forma, desde que não se assemelhem a estas que possuo. Dê-me outra voz, outro cheiro, outro gosto, outra textura. E por fim, me cubra de novas roupas e de novas cores, qualquer uma exceto preto, pois é esta a cor que trajo para o meu luto diário.
- Tudo isso pode ser arranjado, meu amo. Não vejo razão para vosso desespero.
- Mas a transformação não estaria completa se não me desses uma nova alma. Uma nova forma de pensar e ver o mundo, livre da malícia que aprendi comigo mesmo. Esquecer todas as coisas que lembro; as ruins e principalmente as boas, que são as que mais me machucam.
Esta alma, assim como essas roupas negras, já não me servem mais.
- Infelizmente esse último pedido não pode ser atendido, meu amo. Está além da capacidade dos gênios, dos feiticeiros, dos rajás e até mesmo de Alá.
Tua alma não é algo dentro de você, ela é você. É o fardo que deve carregar por toda a eternidade.
- Entendo. Então não há nada em que possa me ajudar, senhor gênio da lâmpada. Eu o liberto de seus serviços para comigo.
- Não há nada que queira além disso, meu amo?
- Não, gênio. O que eu quero é um corpo perfeito, uma alma perfeita, e isso você não pode me dar. Adeus.
- Adeus e que Alá tenha misericórdia de ti.
Numa espiral de fumaça brilhante o gênio voltou para dentro da lâmpada, e logo em seguida, esta subiu nos céus e desapareceu num clarão. O jovem caiu em terra, ajoelhado, derramando as lágrimas que não podia mais conter. Amaldiçoou Deus, Alá, Buda e todas as entidades cósmicas pela brincadeira.
Chorou, chorou e chorou por horas a fio, sem cessar. Nem mesmo quando a lua subiu o jovem deixou de chorar. Chorou ainda durante vários dias, maldizendo a si mesmo, odiando a si mesmo, desejando morrer da maneira mais cruel existente.
Suas lágrimas não pararam de jorrar. Um lago se formou. O corpo do jovem lentamente foi se fundindo ao lago. Por fim, não mais o jovem existia como ser humano, mas sim como um lago no meio do deserto, que com o passar do tempo deu vida a vegetação e árvores frutíferas. Animais passaram a habitar em volta, caravanas paravam para abastecer seus camelos. O lago continuou crescendo, chegando a atingir vários metros de diâmetro. E tornou-se tão fundo que não se podia medir sua profundeza.
Uma aldeia se formou e prosperou em volta do lago. Homens e mulheres viviam felizes, crescendo, casando, tendo filhos e morrendo. Era uma região abundante em frutos, flores e animais.
Alá (ou Deus, ou Buda, vai da crença do leitor), apiedou-se do jovem e deu o único fim possível ao seu sofrimento. Suas lágrimas deram vida a outros seres, e isto o deixou contente e em paz consigo.