O lamento do Mandacaru

Na época das chuvas que banhavam todo o interior do sertão havia um imenso aglomerado de árvores nativas próximo de um pequeno assentamento rural. Nesse lugar podia se ouvir claramente as vozes das crianças que brincavam em plena alegria correndo por todos os lados e apreciando o verde magnífico da caatinga renovada. Logo, todas as árvores, flores e plantas daquele belo santuário nativo também comungavam da alegria que estavam sentindo aqueles pequenos. Por isso, dançavam seguindo o compasso da brisa matutina balançando suas folhas na agradável sinfonia do vento. As crianças então sorriam para o céu de braços abertos num ritual de paz e amor, enquanto os pássaros cantavam entre os galhos das árvores, alguns faziam seus ninhos na copa dos juazeiros, juremas pretas e marmeleiros.

Por toda parte existia paz e alegria, exceto no local onde estava um jovem e viçoso mandacaru. Ele tinha uns dois metros e meio de altura. Estava em plena forma e vigor. Triste e aflito, se encontrava mergulhado na solidão. Via as crianças brincando, nas sombras dos juazeiros, se escondendo entre as folhas dos marmeleiros, passeando pelas trilhas da mata, porém sem jamais se aproximar dele. Em meio a tantas árvores belas, cheias de folhas verdes e flores magníficas tão apreciadas por aqueles pequeninos que vislumbravam tudo como se estivessem passeando por um extenso museu repleto das mais belas obras de arte, morava um triste e solitário mandacaru. Envolto por compridos e agudos espinhos, o mandacaru afastava amigos e inimigos de perto. Compreendeu que as crianças tinham medo dele, medo de se machucarem com seus espinhos. Solitário, ele pediu a Deus e a Mãe Natureza para ser como todas as outras árvores e plantas daquele lugar, que enchiam de alegria o coração daqueles pequeninos que moravam nas proximidades do lugar. Todo aquele que se aproximasse dele acabaria se ferindo com seus longos espinhos, os quais envolviam todo o seu ser. Isso o deixou ainda mais deprimido, como poderia ferir tanta gente sem intenção. Desesperado e desiludido, o mandacaru pediu que as outras árvores a sua volta o encobrissem com seus galhos e ramos para que ninguém jamais o encontrasse. Ali, coberto por inúmeras folhas verdes e galhos o mandacaru se fechou para o mundo. Depois se trancou dentro de si mesmo de tal forma que passou o inverno e a primavera dormindo profundamente.

Até que um dia, durante um verão escaldante, o mandacaru finalmente despertou. Notou logo a triste calamidade que se abateu sobre todas as suas amigas de outrora. As belas e verdes folhas já não mais existiam apenas galhos secos e quase sem vida eram sacudidos pelo vento quente. Uma seca impiedosa tinha acompanhado aquele verão, era a maior seca que aquela região já presenciara. Os moradores do assentamento abandonaram o local para não sucumbir à fome e a sede. Poucos foram aqueles que ainda conservavam alguma clorofila em suas folhas. No entanto, o jovem mandacaru notou que ainda era o mesmo de antes, estava apenas um pouco mais alto, mas continuava com seu verde. Era portador de uma força natural capaz de sobreviver naquele ambiente sem perder sua cor. Os outros menos afortunados estavam quase todos mortos, seus galhos, seus caules, suas raízes, todas secas sem um pingo de água. Eram apenas um monte de madeira em pé, esperando que os cupins terminassem por lhes devorar. Isso o deixou o mandacaru profundamente triste, apenas ele e um velho juazeiro ainda estavam vivos. Naquele instante, passava um viajante por ali. Trazia uma criança consigo, possivelmente era seu filho. O menino estava mal, precisava de água o quanto antes, ou iria sucumbir ao calor e a desidratação. Não havia nenhuma alma viva por perto, há muito que já não morava mais ninguém naquela região. O homem estava a beira do desespero. Foi quando viu o jovem mandacaru em meio a galhos secos e retorcidos. O homem puxou uma faca que trazia na cintura e aproximou-se do mandacaru sem medo. Livrou-se dos galhos secos envolta, ao passo que o mandacaru pensava consigo: “Mate-me logo! Pois sei que de nada sirvo a não ser machucar os outros.” Conformado com a morte o mandacaru esperou a lâmina lhe atingir. Com muita habilidade o homem retirou um de seus grossos e grandes braços. A ferida doeu muito e o mandacaru aguardou a próxima punhalada, mas ela não veio. O homem se afastara dele e após retirar os espinhos do seu braço cortado começou a retirar a água que havia nele para saciar a sede do menino. Depois que foram embora, o juazeiro que estava ali perto disse ao mandacaru:

— Tu que reclamaste tanto da tua condição física a Deus, foste o único que pode salvar a vida daquela criança dando-lhe um pouco da tua água. Escute meu jovem amigo, nós somos o que somos não por um simples acaso, mas por que fomos agraciados por Deus com uma missão, com um propósito. E por mais incompreensível que possa parecer, esse propósito se manifesta quando menos esperamos. Hoje você salvou uma vida, coisa que nenhuma destas árvores pode fazer. Pois enquanto elas um dia compartilharam suas folhas e sombras, você compartilhou sua essência de vida com aquele menino. Sei que foi doloroso pra você fazer isso, mas sem esforço e sofrimento nem sempre conseguimos cumprir com o nosso objetivo.

Alegre com tais palavras o mandacaru encontrou seu propósito e descobriu que era abençoado por ser quem é da forma como Deus o fez. Então ele abriu suas lindas flores anunciando a chegada da chuva que faria o verde retornar mais uma vez as plantas daquela região.

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Gilberlandio Francisco
Enviado por Gilberlandio Francisco em 08/01/2012
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