O Ursinho de Pelúcia
Sentado na prateleira, entre um livro de histórias e uma boneca de pano, o ursinho Florentino olhava tristemente o quarto vazio. Mais um dia tinha se passado, e mais uma tarde a sua menina, Clara, tinha entrado e saído repetidamente do lugar sem dar nem uma só olhada na sua direção. Cheio de melancolia, o ursinho se perguntava o que teria feito de ruim. Até muito pouco tempo atrás, Clara tinha sido sua melhor companhia, sempre presente, sempre cuidadosa. Ele nunca era deixado para atrás, como acontecia agora, e onde ela estava ele estava também.
Mas de um tempo para trás, sua menina, uma doce garotinha de sete anos, tinha deixado de cuidar dele. Agora parecia que ele era invisível, relegado à prateleira alta onde a mãe de Clara o pusera na semana anterior. Ele remoía dentro de si, o dia inteiro, as razões pelas quais ela poderia te-lo deixado de lado. Ele reconhecia que não era mais novo, que seu pelo estava menos macio, depois de algumas lavagens na máquina de lavar, e sua gravata borboleta estava ficando desbotada. Mas essa não parecia ser a razão, já que, ele pensava, se fosse isso ela estaria brincando com algum boneco mais novo. Ela parecia diferente. As meninas que de vez em quando iam com ela no seu quarto não brincavam com ela, não faziam mais chá. Elas ficavam sentadas falando de coisas que ele não entendia, falando de meninos, de saias curtas, de sapatos. Às vezes ficavam se pintando todas, com cuidado e dedicação, e dançavam ao ritmo de clipes que exibiam mulheres movendo-se sensualmente.
Florentino estava ficando cada vez mais deprimido. Com certeza devia ter feito algo. Na embalagem em que ele viera estava escrito que crianças bem mais velhas do que Clara brincariam com ele. Às vezes ficava chateado com Clara, aquela ingrata, que parecia ter se esquecido de todos os meses que passaram juntos. Seu coração de boneco estava partido, e ele não conseguia entender o que tinha acontecido.
O que ele não podia saber é que tanto ele como sua menina tinham sido vítimas do apelo da sociedade, desde a sua prateleira não podia ver o mundo, pelo qual não podia entender que o seu presente estava sendo marcado pelo fim precoce da infância, e que Clara estava simplesmente repetindo o modelo que encontrava ao seu redor. Agora ela achava que bonecos eram infantis demais, bobos demais. Sua infância tinha sido levada embora aos poucos, e agora ele fazia parte de um universo cinza que ela queria deixar atrás o mais depressa possível.
Como ele não sabia nada disso, ainda esperava, ainda sonhava, e cada dia ficava na sua prateleira, ansiando com o dia em que a menininha que o afagara e o beijara até tão pouco tempo atrás se lembrasse da sua existência.