O MENINO QUE CHORAVA POESIA

Pseudo Redondilha era garoto de periferia

Filho primogênito de uma casa de bóia fria

Os pais eram analfabetos

Mas foi pensando na educação dos filhos

Que a família abandonou o cultivo de hortaliças

E mudou-se para o Rio

Para que os filhos aprendessem a escrever as letras nas linhas

Foram de mala e cuia para favela da rosinha

O pai virou servente e a mãe virou domestica

Pela primeira vez Pseudo Redondilha e os irmão Trova e Verso

Puderam ser assistidos por uma consulta médica

Por influência do pai que era analfabeto de nascença

Mas que gostava de prosear, fazer trovas e versar

É que os filhos foram registrados por nomes que saíram de cordel

Na escola eles enfrentavam as chacotas com bom humor

Afinal na frente dos alunos

Tinha uma pessoa que se chamava professor

Meses depois que de trocarem a vida rural pela favela

A vida entrava em seu eixo

O mistério e o segredo são duas vias paralelas

Depois de se estabelecerem rumo ao desconhecido

O futuro é escuro

Mas basta um sorriso para alma se transformar em aquarela

Mas nem tudo é colorido na vida que se segue ao desconhecido

Um dia voltando do trabalho

O pai de Pseudo Redondilha caiu em uma armadilha

O destino prega peças

E desfaz todas as promessas que esperam numa fila

A violência sempre impera e atinge quem nem sequer sabe atirar

De bala perdida o pai de Pseudo encontrou a morte

Quando vinha cansado do serviço pensando em descansar

Não sabia que seu pedido

Seria tragicamente atendido para nunca mais despertar

Pseudo Redondilha se vestiu de armadura contra a dor

E assumiu a postura do homem da casa

E tentou de tudo para sua mãe não se entregar

Cuidou dos seus irmãos

Trabalhou na construção e não parou de estudar

A família que só sabia sorrir

Volta e meia se calava pelos os sussurros daquela mãe viúva

Mesmo que não acreditemos sempre aprendemos

Que tem mão que precisa de uma luva

E aquela mão não resistiu à ausência da pelica

Se a saudade também mata

Pode se dizer que a mãe morreu por não aceitar

O que lhe reservou a vida

E pela primeira vez Pseudo Redondilha chorou

E apresentou suas lágrimas ao mundo

E a surpresa que deus guardara na vida daquele menino

Em breve se espalharia para sua desgraça ou alegria

Na primeira vez que ele chorou sobre seu caderno

Suas lágrimas se transformaram em letras

E sobre a folha de caderno elas viraram poesias

Quando ele ficava triste ele chorava poesia de emocionar

Quando ele estava feliz suas lágrimas eram poesias de bem estar

Mas quando se encontrava perdido suas lágrimas versavam o vazio

Pseudo Redondilha o escrivão de deus

Que desceu para transformar a poesia

Era assim que todos o conhecia e sua fama aumentava a cada dia

Seu sucesso lhe rendeu livros, dinheiro, fama e orgias

Deu o melhor estudo aos seus irmãos

E valorizou os livros de poesias

Certo dia foi convidado para ser assessor de um deputado

O lema da campanha era

“O choro da verdade escreve por um rosto molhado”

Pseudo foi manipulado e seus dons usurpados

O menino que falava pelos olhos mesmo quando estava calado

Graças a Pseudo Redondilha o deputado virou prefeito

Pseudo chorava discursos, palestras que faziam o povo se emocionar

Pseudo Redondilha o menino que chorava poesia

Descobriu que tinha alma quando recebeu um beijo

E depois daquele beijo descobriu que seu coração também podia amar

O amor nos deixa puro e quando se é menino tudo fica cristalino

Com o amor no coração o dom de Pseudo descobriu outros sentidos

Pseudo começou a chorar mais que poesia

Começou a chorar tudo que no mundo havia acontecido

Chorava no papel provas comprometedoras

De quando o prefeito desviava verba

Quando o marido traía a esposa fazendo hora extra

Quando pastores saiam da igreja com os dízimos

Para se embriagarem em festas

Quando padres pedófilos usavam a batina

Para praticar suas tiranias e absolviam seus pecados pela reza

Chorava provas contra o criminoso que jurava inocência

Em nome da justiça ele tornou-se referência

Em nome da mentira ele tornou-se um calço de um pé descalço

A igreja lhe queria mudo e a política lhe queria longe do planalto

Enquanto as lagrimas vertiam poesias todos o amavam

Mas depois que as lagrimas revelavam a verdade

Muitos que se diziam amigos o abandonaram

Alguns tinham medo que ele chorasse uma revelação de traição

E isso acabasse com o casamento, segredo obscuro do coração

Pseudo tornou-se ameaça para o governo e o sentimento verdadeiro

Se é que alguem já viveu verdadeiramente um amor

Pseudo foi seqüestrado, ameaçado de chorar em público

Foi condenado a viver enclausurado no arquipélago de Galapagos

Neste dia em que Pseudo foi banido o arco-íris surgiu de luto

Flores suicidaram-se nos campos de Holambra

Pela primeira vez foi possível observar

A lua chorando neve num silêncio mútuo

O sol silenciosamente recolheu seu brilho e esfriou a chama

A vida perdeu a alegria de fabricar lágrimas pela poesia

Pseudo Redondilha virou lenda e aos poucos foi esquecido

Mas dizem que constantemente garrafas com poemas

Aparecem flutuando em alto mar

E quando uma garrafa é aberta o oceano chora

E suas lágrimas evaporam

Basta que duas pessoas se amem de verdade

Para a alma de Pseudo se fortalecer

Dizem que Pseudo agora usa as nuvens

E o céu azul quando deseja escrever

Essa noite quando eu te amar de verdade olhe para o céu

Porque tenho certeza que Pseudo Redondilha

Vai lhe enviar uma poesia de fumaça para você ler

(Mauricio Ife)

Contato: maumau_cezar@hotmail.com