A LENDA DA VACA BRAVA
No seio de um cordial rebanho havia uma vaca que gostava de brigar e desrespeitar as regras de conduta. Bagunçava o ambiente e tirava o sossego do curral. Os demais bovinos, mais experientes, procuravam conversar com a “Vaca Brava”, como logo a apelidaram. Aconselhavam-na a seguir o cotidiano da manada. Raras foram as vezes que ela fingiu escutar, mas em todas, se mostrava deveras arrependida, envergonhada e até jurava que, doravante, não faria mais maldade.
Porém, passados alguns dias, lá vinha a vaca bufando e chifrando quem estivesse em seu caminho. A tranquilidade do rebanho ia para o beleléu. O jeito era fugir e se defender da Vaca Brava.
Por inúmeras vezes a ladainha e o sermão se repetiram. As desculpas e a promessa dissimulada, também. No final, o perdão sempre era obtido pela Vaca Brava.
Mas, um dia, a Vaca Brava foi longe demais. Ela acertou o chifre em cheio numa novilha que, inocentemente, pastava. E ainda derrubou um velho touro morro abaixo, que, pela avançada idade, já capengava. A pobre novilha teve que ser socorrida no estábulo. O velho touro ficou entrevado no curral por várias semanas.
A revolta se instalou geral. Saíram em passeata com gritos de: “chega de impunidade”.
Todo o armento, comovido, se reuniu em assembleia extraordinária para decidir o que fazer com a Vaca Brava. O rebanho, pacífico e piedoso, após visitar a novilha e o velho touro, impôs um castigo pesado para a vaca desobediente. Ela ficaria presa num cercado com cobertura e receberia água e comida normalmente; isso durante quatro anos, três meses e vinte dois dias.
Porém, um jovem garrote esperneou:
- Esperem aí...! O castigo será esse?... Isso não é castigo; é prêmio! Nós teremos ainda de trabalhar para sustentá-la...?!
Parece que o armento notou a besteira que acabara de cometer.
- O jovem garrote tem razão. Assim até eu gostaria de viver... no bem bom!... Protegida e alimentada pelos outros – disse uma senhora vaca, sendo aplaudida pela grande maioria.
De imediato, cancelaram o castigo e promulgaram que fariam uma nova reunião. Criaram uma Junta Julgadora Especial, formada por membros jovens, adultos e idosos, para mesclarem sonhos, deveres e direitos, almejados por suas gerações. Após exaustivos debates sobre pontos determinantes, a Junta Julgadora, consciente, deliberou que a Vaca Brava, antes que causasse “mal maior”, seria condenada, irrevogavelmente, à morte.
Ouviu-se um: aaahhh!!!... de espanto pelo pasto.
A Vaca Brava não concordou e reclamou de que não fora avisada, antecipadamente, de tal penalidade. Que seria uma crueldade... Uma falta de respeito...
Mas o jovem garrote, que participara da Junta Julgadora, tomou a frente e decretou:
- Crueldade e falta de respeito foi você quem praticou sem avisar. Pedimos várias vezes para que mudasse seu comportamento. Perdoamos ofensas e até agressões. Se todos os membros do rebanho agissem como você, o pasto seria um caos. Portanto, concluímos que: quando a minoria perturba e põe em risco a paz de toda comunidade, é hora de se adotar lei justa e severa para que o mau exemplo não gere seguidores. Não podemos mais confundir perdão com impunidade... E nós só viveremos em segurança se você não estiver em nosso meio.
Vedaram os olhos da Vaca Brava e a levaram para um lugar isolado do pasto. Deram-lhe, como última refeição, um veneno adocicado.
Hoje, em sala de aula, a Vaca Brava virou lenda para os descendentes daquele respeitoso e feliz rebanho. E muitos, ainda não acreditam que no passado, existiu entre os seus ascendentes, uma criatura de índole tão malvada.