O PRIMEIRO CRÍTICO LITERÁRIO
Um dos espantosos mistérios da poesia é
que uma coisa só parece ela
própria quando comparada a outra coisa.
- Mário Quintana
Até hoje reina mistério se houve mesmo gente que lhe requestou, ou se encarou o cargo por risco e conta própria: tal tarefa seria a de encontrar um método eficaz de desatarraxar, parafuso por parafuso, a real significação dos poemas, desencavar do seio de cada estrofe a derradeira, a única e definitiva face anímica do seu poeta... De papel e pena em punho pôs-se a labutar e, curtíssimo espaço de tempo, já percebeu o tamanho da encrenca: o caso é que por detrás das frases sempre havia mais e mais apetrechos e mágicas a se dissecar, acompanhadas de uma inédita faceta do estudado poeta e depois outra e mais outra... Como um raio a percorrer-lhe os nervos, intuiu que um poema era igual àquelas pinturas repletas de detalhes que só poderiam ser apreciadas no seu todo, jamais traduzidas. Eis que o exausto desmontador desesperou-se com a estéril função de arrancar determinada máscara do autor para, em seguida, deparar-se com outra novinha em folha. Tinha sim, urgente, de encontrar uma saída. Para dar cabo ao desditoso serviço com certa dignidade - já tinha alardeado a seus pares antecipadamente o sucesso da empreitada - inventou que, dali por diante, se autodenominaria um crítico literário. De quebra, deu um jeito de enfiar a arte poética no campo da literatura, que só assim poderia ele deslindar qualquer poesia usando uma bela e convincente "prosa"...