A Joaninha Feliz

Há muito tempo atrás, houve uma festa na floresta, somente para os insetos. Todas as espécies foram convidadas, exceto uma: As joaninhas. (se existissem na época os mosquitos da dengue, também seriam excluídos).

Escolhidos o local, uma enorme clareira as margens do lago azul, e a data: Três dias antes do plenilúnio, e formadas as comissões, grupos de grilos, baratas, escorpiões, cupins, marimbondos e abelhas silvestres, foram designados para as tarefas de infra- estrutura e abastecimento. Os cupins e marimbondos negros construiriam uma arena com palco coberto feitos de fibra de côco e uma mistura de barro com cera. Já as formigas saúvas e abelhas, ficariam encarregadas de abastecer o evento com quantidades generosas de água, mel, folhas verdes e fermentados de pequenas frutas. A Comissão de frente que era a mesma do Conselho dos insetos, composta por uma abelha rainha, dois escorpiões amarelos, dois grilos falantes, uma barata d’água e um louva-a-deus, tomavam as decisões que eram praticamente unânimes, uma vez que não havia necessidade para discussões ou apartes. Tudo era muito simples e pré concebido.

Ficou decidido, que o baile seria animado por uma banda de vinte e cinco pernilongos madrugadores com apoio de cinco cigarras macho. A iluminação e efeitos, a serviço dos pirilampos e a segurança, a cargo de um pequeno esquadrão de marimbondos solteiros e outro de escorpiões brancos. Finalmente caberia às moscas varejeiras a limpeza do local. Sem perca de tempo, todos se mobilizaram com os recursos disponíveis e era bonito de ser ver os enxames voando, procissões de formigas e cupins indo e vindo transportando, armazenando e construindo o cenário da festa. Formigas fogo levavam os convites às comunidades, uma folha seca com uma mensagem naturalmente inteligível às outras espécies animais. O convite era informal e irrestrito. Mas havia um detalhe: Só poderia comparecer a festa insetos casais, ou seja, um macho e uma fêmea de cada grupo, ficando vetado à entrada indivíduos desacompanhados ou solteiros.

Como eu disse no início, as joaninhas foram simplesmente excluídas sem nenhuma razão aparente, não fosse um pormenor: Elas eram hermafroditas, bissexuadas e nunca formariam um casal. Mas, havia na comunidade uma joaninha que desafiando a proibição, resolveu comparecer a festa. Junto com uma companheira, dirigiu-se a Comissão e solicitou uma permissão especial. É claro que foi negada, coisa que abalou toda a comunidade dos insetos. As joaninhas então iniciaram um movimento político e foram as arvores, buracos, e trilhas com cartazes e gritando palavras de ordem,reinvidicavam seus direitos insetais. No início, eram observadas e pouco a pouco as joaninhas receberam adesões. As primeiras foram das abelhas que pararam de colher o pólen das flores. Estas por sua vez se sentiram prejudicadas na sua reprodução. Depois vieram das formigas cortadeiras que simplesmente pararam de trabalhar e exigiram o reconhecimento da espécie joaninha mesmo sem definição sexual. Até outras espécies como pássaros e peixes foram envolvidos pelas greves sucessivas dos insetos, agora praticamente fora de controle.

Mariposas não mais voavam, as flores não mais sorriam, margaridas e bem-me-queres que ante desabrochavam no calor da manhã, junto com gira-sóis, agora viram-se contra o Sol.As cigarras emudeceram e os vaga lumes ameaçavam parar comprometendo a iluminação da floresta. As árvores sem polinização, não puderam fornecer seus frutos. Com isso, a aves sem alimento se sentiram obrigadas a aderirem ao movimento. A pressão sobre a Comissão e ao conselho aumentara tanto, que o protesto acabou ultrapassando as fronteiras daquela floresta.

O clamor chegou enfim as esferas celestiais, e Deus ordenou aos faunos que fizessem uma investigação completa sobre o caso. Concluído o inquérito, o relatório foi entregue no céu, mas Deus nada fez, pois não interferia naquilo de mais sagrado da Sua criação-A liberdade, pois criara a Natureza absolutamente livre para decidir sobre suas questões.

A realização da grande festa, estava a ponto de ser cancelada, quando a Comissão resolveu receber as joaninhas acampadas frente ao buraco do Conselho. Terminada a audiência o grilo falante disse: - Muito bem, vocês joaninhas poderão vir à festa em pares, mas ao final, seguirão solitárias às suas casas. A quebra desse acordo implicava na expulsão das joaninhas daquela comunidade. Mas, a festa foi um baita sucesso, e as duas joaninhas rebeldes, acabaram se amando e foram felizes durante aqueles três dias.

Foi então, que elas perceberam que poderiam ser felizes sempre. Bastava mudar o sistema, quebrar os paradigmas e inverter os conceitos morais daquela comunidade. Assim, iniciaram um novo e mais importante movimento na floresta a fim de serem aceitas como são e reconhecidas como insetos cidadãos (ou cidadãs) e se permitirem casar-se com outras do mesmo sexo. Mas isto já é outra estória...

Depois daquela festa, a ordem entre os insetos da floresta não mais foi à mesma, nunca mais. Corriam rumores de mudanças no Conselho e até de uma nova Constituição. Mas isso nunca foi comprovado. As joaninhas colocaram uma placa feita de barro, própolis e pequenas flores onde se lia: “ O Criador nos fez assim, exigimos respeito”

Por Álvaro Francisco Frazão.

Frazão
Enviado por Frazão em 23/10/2011
Reeditado em 15/02/2015
Código do texto: T3293296
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