Desertora
Era uma vez uma formiga que vivia em um formigueiro gigante na savana africana. A formiga não tinha nome, era apenas mais uma operária marrom. Porém, a formiga escondia um desejo interno: ter asas. Enquanto cortava e carregava as folhas ela não cansava de admirar as mariposas, as abelhas, as borboletas e todos os outros insetos alados. Os observava disparar pelo formigueiro e planar entre flores para implorar-lhes o néctar. Seus dias estavam se tornando terríveis, não sabia como contar isso a nenhuma outra da colônia. Ninguém entenderia, já houvera caso semelhante?
Certa manhã primaveril a formiga observou a fila onde estava seguir para fora do formigueiro, tinha tomado uma decisão: iria fugir. Não sabia para onde, não sabia como iria sobreviver. A ânsia por voar crescera tanto que disputava o pouco espaço com seu ser. Esperou o momento em que realizavam uma curva para escalar o primeiro talo, então moveu suas patas para longe dali, alterando para sempre o seu destino. Pensou estar sendo perseguida, por um momento experimentou a sensação de ser uma pioneira, olhou para trás esperando uma legião em seu encalço, entre a multidão estariam aqueles que iriam seguir com ela. Só parou quando as patinhas começaram a estremecer, não houve ninguém para persegui-la, as formigas apenas continuaram a fazer o que deveriam fazer, não possuíam a capacidade da reflexão. Por um instante a fugitiva pensou ser uma aberração, porém o próprio ato de pensar a assustava. Não deveria pensar, mas ao fazer isso estava pensando. A bile lhe subiu e ela caiu de lado, exausta.
Acordou com um barulho que a fez reerguer-se, era o motivo de toda aquela aventura: o bater frenético das asas de um besouro. Ora, ela não era uma líder revolucionária, era apenas um inseto que queria voar. Passou então a criar suas asas, feitas de folhas muito verdes. Escalou uma flor rústica e do topo saltou. As folhas amorteceram a queda, mas era isso: queda. Não voou, não estava dando rasantes por aí. Empurrou a frustração para bem longe e passou o resto do dia e da noite a tentar... Trocou as folhas, escalou mais alto, bateu as asas mais rápido... Nada parecia adiantar.
No amanhecer seguindo estava completamente exausta, não havia nenhum pulgão para beber-lhe a seiva, sua pouca energia fora gasta para escalar, mais uma vez, a flor. Antes que pudesse saltar soprou um vento de baixo para cima, estava tão fraca que não pode aderir as pétalas, foi arrancada pelo vento que a içou a altura das árvores. Não sabia de onde vinha a força para bater mais uma vez as asas, porém estava voando. Sentiu o farfalhar das árvores, o ar batendo em sua face. Arriscou algumas manobras até que foi lançada contra os galhos, ficou ali observando a altura em que chegara e tomou um susto ao perceber que fora levada as proximidades do formigueiro. Sentiu que estava perecendo, iria voltar para a roda da vida... Mas por um instante deitou os olhinhos para as formigas lá embaixo... Pobre delas, iriam viver toda a sua vida presas ao solo, presas ao trabalho, presas nas gaiolas que elas próprias construíram. A desertora não, ela arriscara, fugira e voara. Só lhe restava agora esperar com um sorriso nas pinças, toda a sua vida valera alguns minutos.