PESSOAS IDEAIS
Obs.: Não sei onde li isso, mas fiz esta adaptação. Espero que gostem...
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Conta-se que certo sábio foi inquirido pelo seu discípulo a respeito do motivo de ter-se aquele se mantido até a velhice sem haver contraído núpcias. O discípulo estava com 23 anos e encontrava-se no dilema próprio da verdejante juventude, e almejava saber como se avalia a mulher ideal, e como seria possível encontra-la.
Ao ouvir a questão o sábio mestre fitou as nuvens, e perscrutou os arquivos mnemônicos, exalando um suspiro suave. Ao fim, disse serenamente:
“Há muitos anos eu quis, como vós, conhecer a mulher ideal. Eu era jovem, cheio de sonhos e nobres aspirações, e parti em direção ao deserto da Síria, abandonando a nossa querida Damasco.
“Após um mês de peregrinação, quase na fronteira com o fascinante Líbano, ouvi o diálogo dos mercadores referirem uma jovem de nome Elba. Eles indicavam seus dotes como dançarina, sua espessa cabeleira da cor do profundo azevixe, e seus olhos azuis, como duas rutilantes águas marinhas. Diziam que nenhuma mulher, em toda a Ásia poderia excedê-la em beleza e doçura.
“Juntando alguns dinares, pratiquei com alguns viajantes e eles me levaram até ela. Jamais meus olhos, até então jovens e inexperientes, haviam recebido o golpe da beleza de assalto e tão pungentemente como quando contemplei Elba.
“Oh como ela era bela! Dizia-se que a rutilância de 70 huris estavam plasmadas naquela mulher de formas esguias, e seus olhos azuis me fascinaram como o embriagante discurso de um djin traiçoeiro.
“Todavia, ao achegar-me a ela, não demoraram 5 minutos, percebi que a jovem era tão dotada de beleza, quanto privada de inteligência. Sua volubilidade feriu-me a vaidade, e quando a deixei, sem que nada tivesse acrescido aos meus valores morais, agradeci a Deus por não ter ao meu lado aquele ser perturbador e retrógrado, cuja beleza inspiraria os mais escabrosos delitos passionais...
“Resolvi então encaminhar-me a Turquia, imaginando que o antigo império otomano, guardasse mais tesouros além da filosofia e da mística.
“Aportando em Instambul, tratei de conhecer os famosos dervixes e passei longas e calmas noites sorvendo a sabedoria esotérica islâmica junto deles.
“Foi pela segunda semana quando me contaram sobre Layla – uma das mais raras jóias do local. Conhecida pela alta ciência que enfeixava, tanto em palavras quanto em atos. Versada na astronomia, matemática, geometria e cultora das filosofias grega e árabe. Conhecedora das ciências ocultas e da medicina, que dominava a mãos cheias.
“Meu coração então impeliu-me num arrojo, e no dia seguinte eu adentrava-lhe a tenda, para, a pretexto de consultá-la acerca de alguns sombrios mistérios alquímicos, conhecê-la e mais tarde me casar com ela. Provavelmente era a mulher ideal, e minha busca encontraria um termo favorável.
“Quando a vi, meu espírito estremeceu. Ela era feia como um camelo estropiado. Mas após alguns minutos de conversa, sua voz melíflua pouco a pouco me cativou, fazendo-me demorar ali mais do que eu desejava.
“Ah, como a sabedoria é doce ao espírito... Ao fim de duas semanas, entretanto, a abandonei, e ainda que fosse compensado pelo mel da ciência, meu coração se encontrava novamente compungido e lesado pela desilusão amarga.
“Não fora aquela a vez ainda, mas não desanimei. Haveria de encontrar este dom celeste chamado de mulher ideal, ainda que fosse preciso percorrer o mundo de norte a sul. E assim convicto, parti para Lídia, ao sabor do capricho dos ventos...
“Passei por Mileto, terra natal do notável filósofo Tales, e após em Éfeso. Fiz amizade com alguns mercadores em Esmirna que descreveram a sabedoria do Sultão Mehmed e sugeriram que eu lhe fizesse uma consulta, posto que adivinharam tão logo em mim um amante da ciência e cultor da filosofia...
“Fui recebido com gentileza e acato nos salões reais e tive diálogos com vários sábios e eminentes filósofos, que o sultão aninhava ao redor de si.
“Naquele lugar tive o encanto de conhecer uma das mulheres mais belas e sábias da época. Elba era apenas uma sombra perto dela, e Layla, se comparada a Egéia – eis o nome daquela criatura angelical – era tão somente uma escolar...
“Egéia no entanto era solteira, e como eu, jovem e cheia de viço e beleza. Após um mês de estadia e diálogos intermináveis, onde ela constantemente elogiava minha sabedoria, vencendo meu receio, resolvi abrir meu coração a ela e expor-lhe o afã de meus desejos mais nobres...”
Neste momento o sábio ancião estacou e abaixou a cabeça em silêncio. O discípulo, em cuja face bafejava a brisa da curiosidade, não se conteve e perguntou:
“Mas mestre... porque não te casaste com ela? Não disseste que ela era também solteira e admirava vosso brilhante saber?”
“Eis a desdita dos idealistas meu jovem... no caso em tela não bastava ser sábio, pois Egéia também buscava o homem ideal...”
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