O BICHINHO-PAPÃO
O BICHINHO-PAPÃO
Ironi Lírio
Era uma vez, um bichinho-papão criança que morava com seus pais na floresta.
Por ser feio e muito peludo, só saía para passear à noite, pois tinha medo das pessoas. Temia ser encontrado por alguém que se espantaria com a sua aparência. O bichinho-papão era rechonchudo, tinha as orelhas bicudas e os pés enormes. Por isso não usava sapatos.
Estava sempre sozinho e nunca freqüentava a escola.
De vez em quando, alguém o via andando pelas ruas e puxava as crianças rapidamente.
Então, apontando para ele, prometiam para as crianças que aquele bicho feioso viria pegá-las caso não ficassem boazinhas. As crianças se assustavam.
O bichinho-papão ficava triste, pois não tinha amiguinhos e o seu maior desejo era brincar com as outras crianças.
Uma noite, quando saía para passear, viu na praça da cidade muitas luzes coloridas enfeitando uma tenda de lona. Era o circo que estava por ali.
O bichinho-papão, entusiasmado com o movimento das luzes que piscavam na lona, foi se aproximando do circo e, de repente, viu ao seu lado um palhacinho que não parava de rir.
Sem ter tempo para fugir, o bichinho-papão olhou surpreso para o palhacinho e perguntou acanhado:
- Você não está com medo?
- Claro que não! - Disse o palhacinho. - Você é até muito engraçado.
O palhacinho olhou para o bichinho-papão dos pés à cabeça e depois acrescentou:
- Acho que daria um ótimo palhaço. Não gostaria de trabalhar no circo?
O bichinho-papão ficou espantado com a pergunta por que não sabia do que se tratava. Depois de alguns minutos perguntou curioso ao palhacinho:
- O que é ser um palhaço?
E o palhacinho começou a rir daquela pergunta tão boba.
- Ora, sou eu! Você não está vendo as minhas roupas largas, o meu nariz vermelho e os meus sapatos enormes? Pelo jeito você nunca viu um palhaço na vida. Venha comigo que eu vou lhe mostrar.
O palhacinho caminhou pelo campo de terra onde o circo estava montado e gritou chamando o bichinho-papão que não se mexia. Estava com medo.
- Venha, amigo, não precisa ter medo, aqui é bem seguro!
O bichinho papão começou a seguir o palhacinho ressabiado.
Entraram em uma sala, nos fundos do picadeiro, onde estavam colocados vários espelhos na parede e muitas roupas penduradas em cabides. E sobre uma cômoda de madeira havia uma grande quantidade de potes com pastas coloridas.
O palhacinho sentou-se em frente à cômoda e começou a retirar as pinturas do seu rosto com um pedaço de papel. E o bichinho-papão espantou-se ao ver que aquele rosto era de um menino de verdade. Então, começou a afastar-se na intenção de fugir.
- Não se assuste comigo! - Disse o palhacinho. - Volte! Eu sou um menino comum. Mas como eu trabalho no circo, uso estas pinturas no rosto para parecer mais engraçado e mais atraente ao público. Isto é só maquiagem, veja:
Então, o bichinho-papão se aproximou do menino e, pela primeira vez, começou a passar as mãos no rosto de uma criança sem que ela ficasse com medo.
O menino sorriu e o bichinho-papão, admirado, começou a sorrir também acompanhando o palhacinho na sua alegria infantil.
Ficaram por algum tempo contemplando a fisionomia um do outro, como se cada traço ali desenhado fizesse parte de um mapa onde estaria guardado um valioso tesouro.
Em frente ao espelho, faziam caretas e riam de si mesmos. E o bichinho-papão fazia gracejos contente, porque enfim, havia encontrado um amiguinho.
- Sente-se aqui. - Disse o palhacinho. - Vou transformá-lo em um belo palhaço de circo e você irá se apresentar comigo.
Em poucos minutos, o menino foi transformando o bichinho-papão em um alegre palhacinho vestido com roupas coloridas e com o rosto pintado de branco.
Em um de seus olhos, o menino fez um bonito sol amarelo e nas sobrancelhas do bichinho desenhou duas nuvens bem azuis.
Sem saber, o palhacinho havia desenhado o sonho do bichinho-papão. Que era poder andar e correr livremente durante o dia, sentir os raios do sol na sua pele e deitar-se na grama verdinha quando estivesse cansado de brincar com as outras crianças. Não gostava de viver se escondendo.
Depois de vestido e maquiado, o palhacinho deu um toque final ao amigo. Colocou em seu nariz uma bolinha vermelha presa a um elástico e um chapéu colorido cheio de cabelos avermelhados em sua cabeça. Estava pronto para o show.
O menino pintou-se novamente e chamou o bichinho-papão que não cansava de admirar-se no espelho.
- Vamos para o picadeiro, amigo! Já está na hora de se apresentar.
- Mas eu não sei o que eu faço! Como poderei sair sem assustar essas pessoas?
- Ora, não se preocupe! Você está fantasiado, lembra? Faça tudo o que eu fizer e verá que é bem fácil.
Assim que terminou de falar, o palhacinho entrou no picadeiro dando cambalhotas e gargalhadas para a platéia.
O bichinho-papão, embora assustado, dava saltos no ar, sorria para o público e se arrastava pelo chão acompanhando o palhacinho que imitava uma lagartixa.
Quando o palhacinho falava, o bichinho-papão repetia as mesmas frases. Se o palhacinho cantasse, o bichinho tentava imitá-lo, mas como não sabia a letra das músicas as pessoas achavam que errava de propósito e davam boas gargalhadas daquela dupla desengonçada.
Por fim, quando acabou a apresentação dos dois palhacinhos, o público se levantou e começou a aplaudi-los em pé.
Os amigos agradeceram ao público acenando para as crianças que sorriam contentes. Mas antes que deixasse o picadeiro, o palhacinho começou a retirar as pinturas do bichinho-papão com um pedaço de papel, mostrando o seu rosto para aquelas pessoas.
O bichinho-papão quis fugir, mas o amigo lhe segurou pela mão.
- Vejam todos! - Disse o palhacinho. - Este é o meu grande amigo. Vocês o chamam de bicho-papão por achá-lo diferente. Com certeza já o conhecem, pois passam a vida toda privando seus filhos desta agradável companhia que não faz mal a ninguém.
Enquanto o palhacinho falava, as pessoas pararam de aplaudi-los e se voltaram para ver aquela pequena figura que rejeitaram a vida toda por achá-lo diferente.
Mas o palhacinho puxou o amigo e foram para os fundos do circo.
Depois de alguns minutos, quando retornaram para o picadeiro, estavam sem suas roupas de palhaço e sem as pinturas no rosto.
Ficaram parados durante algum tempo em frente à platéia, deixando as pessoas verem que ali estavam apenas duas crianças. E que as diferenças estavam na aparência de seus corpos, mas não na amizade e na alegria que sentiam.
Percebendo o engano que cometiam, a platéia começou a aplaudi-los novamente e, de repente, o picadeiro foi invadido pelas crianças. Queriam ver de perto os dois palhacinhos para brincar com eles.
Então, o menino abraçou o bichinho-papão e disse para as crianças:
- Vamos até o parque. Vamos brincar esta noite, amanhã e depois de amanhã também. E enquanto o circo estiver na cidade. E sairam correndo como pássaros em revoada.
Alegres, as crianças e os dois amigos seguiram em direção ao parque iniciando uma bonita aventura, onde não existe o medo. Mas é cheia de ilusões e fantasias reais onde só acontecem no mundo fabuloso da fase mais bonita de toda a nossa existência. E também a mais feliz: a nossa infância.
Fim