Torrente da língua
Era uma vez uma língua que possuía poucas palavras, gestos e sinais. Ela surgiu de repente e foi se alastrando. A própria língua se comparava a um rio, que surge de uma nascente.
As nascentes percorrem seus cursos ora já feitos, ora moldados pelos filetes d'água que vão crescendo em volume, encontrando outros riachos, fundindo-se, fluindo, serpenteando caminhos, correndo sempre.
Se um braço do agora rio insiste em se represar num canto, a princípio forma um lindo lago. Porém, sem movimento, esse cenário lacustre torna-se palco de coadjuvantes nocivos, putrificando-se suas águas. Porque a meta daquelas nascentes é desaguar torrencialmente no mar, dando vida e dessedentando a quantos experimentem suas águas no percurso.
A língua, pois, como uma nascente, brotou entre povos, percorreu culturas, moldando-as e abrindo-lhes caminhos, fundindo-se com outras línguas. Se um grupo de pessoas retinha um idioma, este se tornava arcaico e aquele pedante. Porque o que toda língua almeja é desaguar num mar de significados, organizando-se e oferecendo a seus falantes os recursos necessários para se comunicarem. E que sejam falantes para sempre.