A revolução das palavras

As palavras, cansadas de serem usadas e abusadas pelos falantes e escritores, decidiram fazer uma revolução. Esqueceram-se seus usuários - ou seriam usurários? – que elas têm vida e significado.

Reunidas em assembleia numa grande enciclopédia, as palavras viraram a noite a confabular:

- Vamos varrer as letras dos jornais! Que fiquem apenas fotografias! – Vociferou FURACÃO.

- FURACÃO! Alôôô-ôôuu! – palrearam as gêmeas POMPA e CIRCUNSTÂNCIA – Você nunca ouviu dizer que uma imagem vale mais que mil palavras?! Se tiramos as letras e deixamos as fotos, aí que os humanos vão nos desprezar!

DELÍCIA irrompeu na tribuna e sussurrou toda envolvente, fazendo com que as outras palavras se aquietassem para ouvi-la:

- Vamos nos abraçar... beijar... acariciar... insinuar...deixar os homens com gostinho de quero mais...até que nos vejam com prazer... e nos usem com tesão!

CROCANTE, preocupada apenas em fazer barulho, bradou irritada:

- Vamos exigir que cada uma tenha o nome que queira! Eu, por exemplo, para ser ainda mais eu, de hoje em diante quero ser chamada de CROCRANTE!

SOLIDÃO, relutando em se aproximar, mas impaciente com aquela conversa mole, toda solene, pediu um aparte a PALAVRA, que presidia a sessão:

- Excelentíssima senhora PALAVRA! Não nos reunimos para contar piadas ou tirarmos vantagens isoladas da situação! Precisamos nos unir e reivindicar nossos direitos vocabulares! Saiamos do ermo! Abandonemos o poço da ignorância profunda do homem que nos usa indiscriminadamente! Usemos todos os meios de comunicação para anunciarmos nossa decisão até aos rincões mais distantes! Livremo-nos do oco da insignificância a que nos submeteram, resumindo-nos a meros ajuntamentos de letras e...

- Basta! – Interrompeu a PALAVRA – Quem é V.Sa. para falar em unir, senhora SOLIDÃO? Sempre viveu sozinha e nem sabe o que é saudade! Contudo, apesar do paradoxo, V.Sa. tem razão! Unamo-nos, pois! Está decretada a greve das palavras, até que os homens nos deem o devido respeito! Acato a proposta da FURACÃO, que varram as palavras dos jornais e revistas! CENSURADA se coloque garrafal sobre fotografias e infográficos! Os créditos sumam, deixando um vão nos finais dos filmes! Como em Babel, misturemo-nos e confundamos os homens! Até que se curvem as penas e dobrem-se os teclados, reconhecendo que, sem as palavras, nada do que foi feito se fez!