O MENINO E O CASTELO DA RAINHA
Era uma noite de inverno. A chuva miúda encharcava as folhas caídas ao chão. Um menino perdido na floresta parou debaixo de um arbusto e se agasalhou do frio por entre galhos. A árvore de porte alto, penalizada do menino, fechou suas ramificações, aquecendo-o.
Mal o dia despontou, o garoto agradeceu e pegou caminho.
Aproveitou um tímido sol e se foi floresta adentro. Andou, andou e nada de encontrar o castelo da rainha.
Já anoitecia quando avistou um palácio. Animado, bateu-lhe à porta.
Surgia um homem resplandecente com uma bola de fogo na mão esquerda e com a direita, erguida, declamava: “O Amor e o Equilíbrio em todas as suas atividades seja sempre o mandamento para o decorrer de seu dia.”
O menino se animou: é aqui.
— Posso conhecer a sua biblioteca?
— Para que você quer conhecer a minha biblioteca?
— Quero aprender palavras novas. A rainha me apareceu em sonho e convidou-me a conhecer a sua imensa biblioteca.
— Que rainha?! Aqui não tem nenhuma rainha...
— Ela é muito linda!
— Já lhe falei, aqui não mora nenhuma rainha. Nem bonita nem feia... — O meu nome é Lemuel — “Venha, pois, amado amigo, em nossa companhia aprenda a compreender cada vez melhor os Seres da Natureza, tornando-se seu auxiliar e amigo. Eles cuidarão de você, da mesma maneira como você aprendeu a cuidar deles, irradiando-lhes seu Amor, Solidariedade, sua Luz e sua Força.”
— Ela não é só muito bonita, é muito inteligente e educada e fina e tem traços alexandrinos, exóticos..., sorriso largo e uma simpatia que transborda...
— “É também o nosso, quando ensinamos nossos alunos e os atraímos ao nosso coração.”
— O menino seguiu tristonho! Como encontrar a sua rainha!...
De repente, surgia outro castelo, alegrou-se. Bateu-lhe a porta. Desta vez uma mulher de longos cabelos negros... — bonitinha! Deve ser irmã gema da rainha, imaginou o menino.
— Não! ― leu o pensamento dele ― Não sou irmã da rainha. Sou a fada Morgana Le Fay. Protetora do Rei Arthur. Em que posso servi-lo?
— Quero encontrar a minha rainha. Sabe, ela tem uma grande biblioteca...
— Eu também tenho! Você pode ficar comigo...
— Não! Eu quero a minha rainha...
— Ela é perigosa. Vive cercada de animais. Eu, no entanto, domino-os...
O menino não quis saber, continuou a procura.
Já cansado, avistou outro castelo. — É esse...
De longe pôde perceber que havia muitas mulheres.
Animado, quando ia bater, a porta se abriu...
— Eu sou a Fada das Tempestades. Possuo muita energia, circulo pelas florestas e picos de montanhas, o vento me trouxe para lhe dar boas-vindas — entre...
Mais outra:
— Eu sou a Fada das Águas, retiro a energia do sol para as águas. “Regulo o fluxo da água na crosta terrestre.” Posso me transformar em sereia...
— Eu sou a Fada do Fogo. “Habito o subsolo vulcânico, os relâmpagos e as fogueiras. Faço a conversão da matéria em decomposição, em solo fértil. Sou também espírito de inspiração, como uma musa.”
E uma última:
― Eu sou a Fada Sininho. “Sou apaixonada platônica e fiel companheiro de Peter Pan...”
Fechou-se, então, um círculo em redor do menino. Todas falavam ao mesmo tempo:
― Temos uma grande biblioteca e você poderá ficar conosco para sempre.
O menino arredio, mais que depressa, fugiu das fadas.
Já sentindo o frio penetrar-lhe os ossos, trêmulo, ainda encontrou ânimo para a jornada.
Eis outro castelo.
Abre-lhe a porta um senhor bem baixinho!
— Não se espante, eu sou um Kobold. Posso ser-lhe útil?!
— Eu só queria saber onde fica o Castelo da Rainha.
— Ah! Por que você quer saber, amigo?
— A rainha possui uma biblioteca...
— Só se for de bichinhos. Fica comigo e me ajuda a cuidar das raízes das plantas. Você vai conhecer diferentes espécimes...
— Mas eu quero a minha rainha...
— É difícil chegar até ela. Você já ouviu falar da bruxa?... No caminho há uma bruxa que não deixa ninguém passar...
— Ah! Eu conquisto a bruxa...
— Não estou certo disso..., ela, com aquela vassoura e aquele gato...
— Tenho certeza que ponho a bruxa no bolso...
— Que bolso! Sua roupa está toda rasgada e, nem vejo bolso aí...
Foi-se o menino resmungando: Sim, basta chamar a bruxa de Musa e ela fará o que eu quiser...
Já era noite. Ao longe surgia um sinistro castelo. O menino arrepiou-se.
Repentinamente um vulto bloqueia a sua passagem. Voa em torno. Segura o menino e o escancha na vassoura voadora, Ele não sente medo. Sorri para a bruxa. Ela fica feliz. Leva-o para o castelo e cuida dele.
Com roupas limpas e um apetitoso jantar, o menino pergunta-lhe se ela conhece a rainha.
— Já ouvi falar...
— Você me leva até ela?
— Para quê?
(A velha pergunta).
O menino sente que pode confiar na bruxa:
— Ela tem uma biblioteca maior do que a de Alexandria...
— Menino! Pensa que me engana... Você quer é conhecer a rainha...
— É verdade, como você adivinhou?
— É! Mas você ainda é bastante criança. Tem que crescer, para visitá-la.
— Verdade? Você pode me ajudar?
— Posso, mas você vai ter que, primeiro, ler todos os livros da minha biblioteca, para aprender a fazer versos e impressionar a rainha...
— Faço qualquer coisa... até virar poeta!
Os dias se passaram, e o menino enfiado na biblioteca, sob a supervisão da bruxa.
Um dia, ele deixou os livros e andou pelo castelo. Não viu a bruxa. Entrou em um salão cheio de quadros. Aproximou-se e quase morreu de susto, uma tela com um lago começou a mover-se em ondas.
Passado o medo, o menino olhou as águas e viu uma imagem. Curioso, enfiou o rosto para ver de perto. Que susto! Era o rosto de um rapaz. Que rapaz bonito! — pensou. Tentou tocar-lhe para ver se era real. Então percebeu que, tocava a sua própria face.
Olhou, olhou. Olhou durante muito tempo, até sentir a bruxa a seu lado.
— O que você fez comigo?!... — gritou o menino.
— Nada... Você cresceu...
— Como cresci se estou aqui há poucos dias!
— Muito tempo se passou. Agora você é um poeta brilhante, bonito e poderá conhecer a sua rainha.
O menino-homem-poeta seguiu tão feliz que até esqueceu-se de olhar para trás.
Certo dia, já vivendo no castelo da rainha, o poeta olhou pela janela e não viu o da bruxa. Perguntou aos vassalos:
— Onde está o castelo da bruxa sinistra?
— Desapareceu...
— E aquilo lá, mais parece um convento...
— É um convento mesmo. Dizem que lá mora uma freira de “causas impossíveis” e que reza dia e noite pela felicidade de Vossa Majestade!
O rei fechou a janela, pensativo...