A Ética, a Guerra e o Governante

Certa vez, conversava um poderoso governante chinês com o lendário sábio, Confúcio.

Disse o governante:

— Meu povo, o povo desta nação, vive para ela, para defendê-la, e não deixaria de morrer por ela. Ser um soldado, matar e morrer pela nação é cívico, é da maior honra.

O sábio então falou:

— Pois então, sendo vós entre os homens, dos mais patriotas, tanto que governa uma nação, deve mesmo sentir orgulho de estar entre os primeiros a servir nas guerras, matando e morrendo pelo que tanto dizeis defender. Imagino que carregue em si profundas e inúmeras marcas, dos tantos confrontos que lhe tenham feito brilhar nos campos de batalha. Estou certo?

Como que atingido por uma ofensa, sem hesitar pronunciou o governante:

— Eu não vou ao campo de batalha para pegar em armas e matar, pois o exército e o povo dependem de minha inteligência para liderá-los. Seria egoísta e orgulhoso de minha parte buscar o clamor das vitórias no campo. Desejo apenas o reconhecimento de minha boa liderança, e quando a vitória vem, me alegro com a gratidão que me dirige meu povo, que foi lá e lutou em nome da nação.

O sábio, sem mudar sua postura, encaminhou-lhe então, após alguns profundos segundos, a pergunta:

— As suas palavras a princípio faziam crer que cultuava, devotamente, o civismo, com elas tentou fazer-me ver que a guerra é o ápice do civismo. Mas você mesmo, pelo que me diz, ainda não submeteu-se à essa expressão máxima de amor à pátria... me responda: que falta a um homem de tanto prestígio, escolhido pelo povo e imagem do culto à nação, para que seu civismo não limite-se à retórica?

Nesse momento, cessaram ambos a fala. Não estavam mais ali, nem um, nem outro. E Confúcio, como se dispusesse duma distinta liberdade para transitar entre o abismo de Silêncio no qual emergiram, e a sonoridade harmoniosa da natureza daquele lugar, voltou seu olhar à alma do líder nacional, e serena mas firmemente dirigiu-lhe as seguintes palavras:

— Tu impões aos demais o que jamais desejarias submeter a tua vontade.

O governador, sem solo, viu-se ante um tirano: viu-se!

Acabara de descobrir que era ele mesmo aquele a quem menos desejaria deixar-se conduzir. Era ele o ultimo homem que escolheria para liderar uma nação, pois sob a vontade daquele tirano havia a morte dos que, ingenuamente, nela confiavam.

O sábio mestre, retirando o olhar da alma daquele homem, voltou a perder-se nas montanhas e não mais informou-se a respeito do governante. Estava certo, ao partir, que havia dado àquele homem de política a oportunidade de se ver sob as consequências do próprio governo, de se ver como um homem do povo, o governado, o soldado, que deixa a sua família, e com fé na nação desgraça outra família.

Alguns anos após esta conversa o político fora afastado da esfera pública, à qual jamais voltaria a fazer parte. Nos assuntos públicos sua palavra perdera todo valor de outrora.

Lhe caiu tal desprestígio por conta do que ele passou a defender, cada vez mais, a partir daquele encontro com o ancião. Ele defendia a Ética como forma de conquista prioritária e alternativa à Guerra. Para ele "Um povo tem, definitivamente, a vitória sobre outro a medida que mais justo seja o seu governo, a medida que mais felizes sejam seus cidadãos".

Infelizmente só quando distanciou-se do poder que passou a aspirar os dias em que corridas armamentistas já não existiriam, suplantadas pela corrida humanista. E foi esse o único sentido que ele passou então a ver para disputa entre povos.