Algures…Algures…numa Cidade…
Um homem caminhava havia anos pela imensidão da cidade infinita.
Sabia que a cidade é infinita, porque raramente repetiu as suas ruas, sabia que era velho porque o rosto que via nas montras das lojas por onde passava era o rosto de um homem velho, apesar de ele não se sentir espiritualmente velho, mas era velho, sem dúvida, porque as pernas já lhe doíam no seu périplo também ele infinito…
A cidade tinha crescido de uma forma assustadora desde que ele a começara a percorrer há também infinitos anos.
No seu crescimento de mega-lopolis a cidade apagara de si quase toda a natureza, menos a natureza humana, sendo que jardins só existiam dentro dos centro comerciais destinados, suprema ironia, a humanizar estes…ao ar livre pura e simplesmente que não existiam, porque cada pedaço de terra estava reservado ao crescimento da tal cidade.
Tudo o que estava associado a jardins, restante flora, animais e insectos, tinham também desaparecido, embora ninguém parecesse ter dado pela falta de tal, porque a cidade oferecia tudo, menos o tempo para se aproveitar esse todo…
Mas ele ainda era do tempo em que ainda se podiam ver algumas árvores, ou o simples verde da natureza, e por isso sentia a falta de tal, sendo se calhar o único em milhões a sentir a falta de tal…
E naquele dia ele sentiu uma estranha melancolia, uma tristeza alegre, um saudosismo com traços de futurismo.
Descobriu então que estava a morrer, que estava prestes a morrer…
Começou a olhar à sua volta à procura de um canto onde pudesse parar e descansar para sempre, um canto silencioso e longe das pessoas, porque decidiu que era assim que queria morrer.
Foi então que viu o impossível, que entre os gigantescos edifícios viu um pedaço de verde, viu a última árvore da cidade.
Um pedaço de terra o suficiente para ter no seu colo um velho carvalho que alguém se esquecera de destruir…
Era lá que morreria…
Quando, encostado a esta bela raridade, começou a fechar os olhos pela última vez, sentiu uma pequena aragem nos seus olhos…
Abriu estes e viu… a última borboleta da cidade…
Seguiu-a com o olhar, sorrindo, mas reparou então que o seu voo não era errático, não era casual, era determinado…
Arranjou forças não soube onde, e seguiu essa borboleta…
Começou então uma viagem que durou um tempo sem tempo, uma viagem em que seguiu a última borboleta da grande cidade, uma viagem pelas suas ruas, uma viagem no tempo, porque a borboleta o levou através de bairros cada vez mais velhos, bairros de que até ele desconhecia a existência, até que chegou ao primeiro dos bairros, ao que deu origem a tudo, de tal ordem estreito que nem viaturas lá cabiam, quase sem pessoas, um bairro tão velho que até mesmo as tabuletas das lojas estavam escritas numa língua morta, a primeira língua da cidade…
No fim desse bairro a borboleta parou…junto de uma fonte, tão antiga como o bairro, uma fonte que ainda jorrava água, pura, impoluta…
Era aquele local…
O local onde ficaria para sempre…
A borboleta levara-o até lá…
Escolheu um canto coberto com musgo húmido, suavemente húmido…
Bebeu um pouco de água e reparou que a borboleta repousara no céu colo e morrera…
Começou a desanimar…a última borboleta da cidade morrera junto dele, que maldita última visão que se podia ter…pensou…
Olhou mais uma vez para a fonte, e reparou que havia junto delas imensos casulos, de onde começavam a sair outras borboletas que iriam invadir a cidade, e que depois iriam dar origem a outras, e a mais outras borboletas, até que a cidade imensa estaria cheia de borboletas…
Compreendeu então o que lhe dissera a borboleta que o trouxera até ali…
Ela sentira-o a morrer e quis leva-lo ao local onde a natureza começava a vencer outra vez, quis que ele soubesse que milhões de borboletas estavam prestes a tomar docemente conta do seu mundo, que o mundo que ele conhecera estava prestes a mudar…
Ele percebeu e morreu por fim, morreu feliz ao ver um enxame de belíssimas borboletas a invadir a sua cidade, e a devolver à cidade anónima a alma que lhe faltava…
Algures…Algures…numa Cidade…