A borboleta e o beija-flor
Dizem que atraímos seres e coisas que estão de acordo com a energia que irradiamos, por isso somos sempre incitados a enfrentar as dificuldades com firmeza de espírito e bom humor. Eu, por minha vez, creio que atraímos aquilo e aqueles que irão nos trazer os ensinamentos necessários para crescermos e nos tornamos mais fortes.
No mundo inverossímil dos contos fantásticos, ouvi a história de uma borboleta que, apesar de já estar pronta para abandonar seu casulo, mantinha-se presa dentro do mesmo por medo dos perigos que encontraria lá fora.
Como se tornara grande demais para o seu invólucro, este havia se partido ao meio de modo que a borboleta tinha metade do seu corpo fora do cásulo e, assim, conseguia ver as outras borboletas esvoaçarem pelos céus. Quando o vento brincava com as flores e espalhava as deliciosas fragrâncias no ar, o pobre inseto sentia ânsias de correr para perto das flores, mas seu medo impedia-lhe de alcançar seus desejos.
Certa tarde, a borboleta teve a estranha sensação de que era observada. Perscrutou então ao redor de si com o olhar e pode ver, oculto entre alguns ramos, um beija-flor que olhava para ela timidamente:
- Por que me olha com tanta insistência? - Indagou ao beija-flor.
- Desculpe-me, senhorita - respondeu tomado de vergonha - é que fiquei encantado com as belas cores de suas asas.
Diante do elogio, a borboleta se encheu também de acanhamento o qual tentou disfarçar desta forma:
- De que me adianta ter asas com cores tão belas se não sou capaz de voar?!
- Juro-lhe, senhorita, que ficaria lisonjeado caso me permitisse levá-la para um passeio a bordo de minhas asas.
A borboleta olhou para o beija-flor com desconfiança. Seu primeiro pensamento foi recusar o convite inesperado daquele estranho, contudo, sua intensa vontade de se afastar ao menos por algum tempo de seu casulo, fez com que aceitasse a proposta
Com modos de cavalheiro, o tímido passarinho ajudou a senhorita a sair de seu cásulo e acomodou-a sobre as suas asas. Em um primeiro instante, a borboleta se sentiu amedrontada, pois já não estava segura dentro de um esconderijo, mas o calor que emanava das asas do beija-flor, fez com que se sentisse novamente protegida.
Durante o passeio sobre um primoroso jardim primaveril, os dois se esqueceram de suas prisões e medos, enquanto deixavam um pouco de si um no outro:
- Não consigo visitar duas vezes a mesma flor. - Dizia o pássaro. - Em um dia eu me apaixono perdidamente por uma, mas no dia seguinte sempre conheço outra flor de cor mais viva ou de perfume mais doce.
-E desta forma não se prende a nenhuma delas...
- De fato não gosto de me sentir preso a nada, por isso estou sempre viajando pelo céu em busca de novas cores e aromas diferentes.
- Já eu, viajo apenas em pensamentos, pois até hoje não havia ousado deixar a minha prisão.
- Para quê se manter presa? A única coisa de que uma borboleta precisa para voar é ter asas e isto você tem!
- Talvez eu tenha medo de um dia ir tão longe que já não saiba voltar. - Disse a borboleta.
- E talvez eu tenha medo de voltar e não encontrar mais a flor que deixei. - Falou o beija-flor.
Os novos amigos ficaram em silêncio por algum tempo, meditando sobre o que haviam acabado de dizer e de ouvir, no entanto, quando se despediram, não era sobre os seus medos que pensavam e sim um no outro.
A partir de então os dois passaram a repetir aquele passeio todos os dias. A borboleta só saia de seu casulo para encontrar o beija-flor e, quando não estavam juntos, mantinha-se perdida em sua imaginação romanesca a qual afastava suas angústias de prisioneira. Houve uma tarde, porém, na qual o passarinho não apareceu e o fato se repetiu por toda a semana. Cansada de esperar e preocupada com o sumiço do amigo, a borboleta resolveu, pela primeira vez, sair sozinha de seu casulo. Mesmo assustada, agitou suas asas com força até que conseguiu alçar vôo rumo ao jardim que sempre visitavam. Ela estava tão preocupada em encontrar o beija-flor que nem ao menos percebeu que estava conquistando seu sonho de liberdade ao voar por si só, sem se apoiar nas asas alheias. O medo deixara de lhe prender no exato instante em que parou de pensar nele para se ocupar com coisas que realmente existiam.
Ao chegar no jardim, deparou-se com algo inesperado: o passarinho estava sobre uma flor que já havia visitado antes:
- Beija-flor, - a borboleta chamou - por que não me visita mais? Preocupei-me pensando que talvez tivesse encontrado outras cores mais belas que as das minhas asas, mas vejo que está sobre uma flor que já visitou antes.
- Perdoe-me por não ter voltado, borboleta. Não quero magoá-la.
O pássaro evitava olhá-la nos olhos enquanto dizia:
- Quando visitei esta flor pela primeira vez, era um dia chuvoso e cinzento e foi me escondendo sob suas pétalas que consegui me proteger. Percebi que necessito de um lugar para o qual eu possa voltar sempre que me sentir inseguro, mas a flor que me emprestar as suas pétalas precisará compreender que eu irei embora quando o sol surgir novamente.
Ao se dar conta de que aquelas palavras se tratavam de uma despedida, a borboleta deixou uma lágrima escorrer de seus olhos e molhar uma porção de grama do jardim:
- Sei bem que se cansou de ver todos os dias as mesmas cores em mim! - Bradou o inseto. - O seu problema é que você vive apenas o momento, mas os momentos sempre passam.
- E o seu problema é que você vive tão preocupada com o ontem e com o amanhã que deixa de aproveitar o agora. - O beija-flor replicou. - Você já está pronta para seguir com as outras borboletas, mas acostumou-se de tal modo a segurança de minhas asas que se esqueceu de usar as suas.
A borboleta fitou-lhe com tristeza, no entanto não ousou contradizê-lo, pois, em seu íntimo, sabia que ele tinha razão.
- Assim que eu me virar e for embora, vou esquecê-lo para sempre beija-flor. Se as minhas cores perderam a graça para você, também eu posso fazer com que as lembranças desbotem até se tornarem incolores.
O outro a olhou com ternura tomado por pensamentos que só ele conhecia:
- Só quero que saiba borboleta, que o fato de algo ter sido fugaz, não significa que não tenha sido verdadeiro.
Em silêncio ela concordou com a afirmação. Logo percebeu que não havia mais nada a fazer ali então seguiu seu caminho. Ainda sentia medo do que poderia encontrar pela frente, mas isto não mais a impediu de continuar.
Em alguns momentos usaremos as pessoas como esconderijos, afastando o nosso frio com o seu calor, apesar de também possuírmos chamas. Em outros evitaremos compartilhar casulos indo embora sempre que as cores de alguém perderem o brilho. Nos dois casos estamos fugindo da realidade, pois é quando as chamas e cores se apagam que precisamos enfrentar algo assustador: deixarmo-nos conhecer por nós mesmos ou pelo outro.
Por mais perigoso que seja fora do casulo, nenhuma segurança vale mais do que a liberdade de voar com as nossas próprias asas. Só quando souber usar bem as suas é que estará preparado para voar ao lado de outra pessoa.