Lobos Podem Amar
O sol começa a nascer irradiando-se e alastrando sua luz por dentre a floresta. Minhas orelhas conseguem ouvir os rangidos de patas na neve. Hoje é o primeiro dia da primavera. Ainda há neve, muita neve para derreter.
Estou imóvel dentro da floresta, deitado no solo, sentindo meu focinho gelado fungando e ouvindo as patas de alguém. Levanto-me farejando o que é, parece um cheiro familiar. Os troncos das árvores estão mais iluminados e as folhas pingando água.
Seu cheiro me atrai, um cheiro intenso; suas patas são tão parecidas. Ela não está longe, mas as árvores atrapalham minha visão. O sol brilhando forte em meus olhos já acostumados com os dias escuros de neblinas. Encontro-a, está imóvel no meio da floresta, observando algo que eu não posso enxergar. Tem uma pelugem branca, olhos dourados, orelhas pontudas e alertas, respirando ofegante, está cansada, belos traços. Seu cheiro torna-me curioso. O vento começa a soprar, ela começa a farejar algo, eu não sei o que é mais de longe e em silencio a sigo, perseguindo seu doce cheiro. Silencioso vou atrás dela. Ela parou. Quieta procurando um rumo a tomar, Parece perdida. Está olhando pro horizonte na beira do mar.
O ritmo do compasso de meu coração parece acelerar, eu queria conhecê-la, saber donde era. Por que isso agora? Eu desconheço esse sentimento, pois é a primeira vez que o sinto. Vou me aproximando dela, lentamente marcando minhas pegadas agora na areia. O que ela quer na praia?
Ela solta um uivo alto e longo, um uivo que eu não entendo, parece de dor. Por que uivaria para o mar sem nada ver ali? Paro a um metro de distancia dela, ao se virar a sua reação parece surpresa, ela não esperava estar sendo seguida. Queria saber pedir perdão. Afasto-me um pouco, mostrando meus gestos. Ela mostra seus dentes, em posição de ataque. Eu não sou inimigo! Ela não parece acreditar em mim.
Resolvo me aproximar, ela corre pra perto tentando cravar seus dentes em mim, sinto meus músculos dobrarem com rapidez, o compasso aumenta. Agora sinto desespero e ao mesmo tempo aquele sentimento já mais desapertado dentro de mim. Ela errou por sorte minha. Levanto-me tentando chegar perto novamente ela diz pra ficar longe, mas eu não consigo, eu quero estar ao lado dela. Aos poucos ela vai afastando-se de mim, com as presas prontas para matar, ela está se acalmando quando vou chegando mais perto, cada vez mais, até poder sentir sua respiração. Ela esconde as presas e as garras de mim, rendendo-se.
Minha pelugem castanha esta roçando em sua pelugem tão branca e macia, seus olhos dourados estão cautelosos observando-me, a cada movimento, eu quero confiar nela, fecho meus olhos, encosto minha cabeça a sua, chego a seu pescoço, meu coração dispara, o compasso já esta todo errado, meu sangue fervendo nas veias, correndo por todo meu corpo. Um abraço. Ela é especial.
Roço meu rosto agora tão cheio de carinho em seu pescoço sinto que ela não entende muito, mas eu também não. Pela primeira vez eu senti meu próprio coração diferente, eu senti um sentimento desconhecido. Quantos sentimentos, nós lobos podemos ter?
Agora só sei que eu a quero, pra sempre, está na hora de eu um lobo, não ser mais solitário. O vento bate em nossos pêlos, o sol iluminando o dia, as ondas do mar agitando-se, então ela entende-me e corresponde ao meu abraço, ao meu carinho. Desejo que me aceite. É a única coisa que quero, para sempre.
Observar o horizonte, o mar, e o primeiro dia de primavera é comprido pra mim, ao lado dela, tudo parece diferente. Aventurei-me por ela, por esse sentimento, a adrenalina, seu cheiro. Agora ela confia em mim. Aceite-me é o que peço e sou correspondido. Posso não entender, mas ela é tudo que eu quero. Ela é tudo que desejei e para o fim da vida foi feita minha escolha, minha amada. Solto um uivo ao seu lado, um uivo cheio de felicidade. Eu pude descobrir o sentimento mais puro de um lobo.
Lobos podem amar.