A Lenda das Árvores do Vale


Num local qualquer, num tempo perdido do cotidiano, havia um vale desértico.

Num dia perdido dos calendários, surgiu um vento cigano que trouxe com ele sementes.

Estas se espalharam pelo solo árido e, sem estímulo para brotar, ficaram ali dormentes.

Novamente o acaso, o jogo das probabilidades: nuvens vieram e desabaram em chuvas.

E a água, berço da fertilidade, encontrou a terra e esta se fez útero para as sonolentas sementes.

Num milagre, o mistério da vida se fez presente, acordando os germes, transformando-os em brotos.

Nova surpresa: as pequenas mudas, embora semelhantes, apresentavam diferente desenvolvimento.

Por alguma razão, na união da água com a terra algumas áreas mostravam-se mais férteis que outras, uma vantagem natural. Assim, era de se esperar que as beneficiadas brotassem mais vigorosas e vice-versa.

O tempo passou e o inesperado: dentre os já esperados belos arbustos cresciam alguns bastante mirrados, enquanto onde se esperavam vegetais mirrados cresciam outros tão vigorosos quanto os que pareciam assim predestinados.

Em verdade, uma mudança de sorte, um reescrever do destino, uma nova força, o livre arbítrio de cada ser, a vontade individual atuando sobre as condições naturais.

De certa forma, alguns beneficiados pela sorte a princípio não souberam aproveitar a oportunidade, assim como, de modo inverso, outros inicialmente prejudicados alteraram a linha do seu destino.

Nova atuação do tempo e os jovens arbustos amadureceram em grandes árvores.

E novamente o inusitado: arbustos promissores formando árvores menos frondosas do que outros menos proeminentes, reafirmando novamente a vontade individual.

Hora da florada, de produzir frutos e trazer neles as sementes que seriam o princípio de novas árvores.

E assim ocorreu, repetiu-se a história. Surgiram filhas dessa geração e mais uma vez a surpresa, pois que algumas, vindas de árvores feias, tornaram-se belas árvores, enquanto filhas de belas árvores não conseguiram ser mais do que mirrados vegetais.

E concluiu-se que também as gerações de descendentes podiam mudar a sua sorte original.

E assim aconteceu por muitas vezes, afastando o processo de criação da sua origem.

Até que certas árvores, não se conformando com a morte e desejando viver eternamente, passaram a deixar de produzir seus frutos, tentando desta forma, conter a vida que existia em si.

Egoístas, imaginavam que ao aprisionarem sua fertilidade realimentariam a sua juventude.

Desta forma dividiram-se as árvores em estéreis e férteis.

Umas, vivendo apenas para si e outras, voltadas para o multiplicar da vida.

Novamente o tempo com o seu viver eterno, agora afrontando-se com a efemeridade da vida.

A grande linha do ilimitado passando pelos pontos da linha da limitação e do finito.

Morrem as gerações originárias. Mas sendo elas causa, o efeito de suas ações continuou a existir, pois que das árvores que se mantiveram férteis, as filhas hoje povoam diversos e distantes vales, enquanto que daquelas que concentraram suas forças apenas para si, tiveram como filhos os novos desertos.

Vontade individual e condições naturais, alternância e gerações, a criação de florestas e desertos. O desabrochar da vida sobre a morte. O mortificar da morte sobre a vida.

As interações do destino com o livre arbítrio, gerando o efeito a partir da causa, contribuindo com a ação da vontade para a construção da direção do destino.

É necessário acumular muito aprendizado do tempo finito para entender o tempo infinito.

É essencial sentir a força viva do vento que leva e traz as sementes.

É primordial a lembrança de que das antigas árvores algumas ainda vivem por seus descendentes, enquanto outras já não existem mais no misterioso e dinâmico ciclo da vida.

Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 10/01/2010
Reeditado em 10/01/2010
Código do texto: T2021971
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