Só para peixes

A tartaruga deixou a lagoa em depressão. Havia sido excluída. Sentia-se diminuta, impotente. O aviso que leu na Boate Portal dos Peixes era bem claro: “Aqui só entra peixe!”.

Ao chegar à lagoa pensou estar no lugar certo. O clima era agradável, havia uma diversidade de seres surpreendente e a vista das margens era incrível.

Não se mudou por vontade. Foi levada por mãos humanas. Mas se num primeiro contato com o ambiente a recepção foi excitante, agora estava desolada e profundamente só.

Ouviu então a voz do cágado que emergia cantarolando:

— Dona Tarta, o que houve? Deixou-me tão repentinamente que não compreendi. O que faz aqui fora, não se sente bem?

— Me fez mal ler aquele aviso na porta da boate. Acaso não se sente excluído?

— Ah, foi isso. Sim, houve um tempo em que me senti. Depois, com a maturidade, finalmente entendi. Se eu me sentia excluído, então o problema era meu.

— O quê?!

— E não é? De que adianta lamentar o acesso proibido? Decerto a Boate Portal dos Peixes não nos é permitida e deve ser o máximo, mas o Recanto dos Outros é um lugar atraente e possível. Se quer saber, não fica atrás em nada.

— Recanto dos Outros... Que lugar é esse?

— Venha comigo.

E mergulharam os dois lado a lado realizando o curioso percurso em poucos instantes. Enfim, o cágado afastou alguns cipós revelando uma entrada inesperada e surgiu um lindo letreiro multicolorido: “Bem-vindo ao Recanto dos Outros! Observação: Aceitamos peixes também...”.

A tartaruga sorriu e o cágado, orgulhoso, afirmou:

— Sou um dos fundadores deste fantástico centro de diversão. Somos manchete do pântano há dois anos. Descobri que só porque não fazemos parte de um determinado grupo, não quer dizer que não podemos criar nosso próprio espaço.

Ser ou não feliz, está no modo como interpretamos certas restrições e superamos o que, num primeiro momento, nos impede de chegar onde queremos estar. O não também tem dois lados e, dependendo do modo como o encaramos, pode ser a chave para o sucesso.