Devaneios de um octogenário
Consegui. Ultrapassei os oitenta. Ainda lúcido caminhando com minhas próprias pernas.
Tento acordar lembranças preguiçosas, sonolentas, quase esquecidas.
Sofro a madrugada das insônias, na solidão das noites mal dormidas.
Expresso solilóquios por vezes ininteligíveis .
Tartamudeio desesperanças.
Será que conseguirei seguir muito adiante?
E se já tiver chegado no limite definido pelo destino?
Que limite é esse, meu senhor?
Pouco importa. O importante é se ter chegado longe, distante, ainda lúcido, inteiro, depois dos oitenta, mais distante que a maioria.
Que maioria?
Dos meus circunstantes, dos que vieram ao mundo no meu tempo.
Por falar em tempo, já faz um tempão que habito este velho mundo.
Sou da primeira metade do século passado.
Já posso me comparar, em idade, às pirâmides de Gizé, construídas pelos Faraós do antigo Egito.
Elas sobrevivem quarenta séculos enquanto nós raramente chegamos a mais de um.
Sou sobrevivente da mocidade em uma corrida de obstáculos AONDE, ela, a MORTE, sempre dará a última palavra. Você vai, você fica. Um fica, continua, enquanto o outro terá de ir. Mas ir para ONDE ou AONDE. Não faz a mínima diferença. Mesmo que não tenha Aonde ir, irá.
Mesmo que não queira, terá de ir. Ou terá que ir? QUE ou DE não farão qualquer diferença. O preciosismo da norma culta ou inculta não fará diferença. A não ser para os filólogos de nosso complexo idioma.
Não é o meu caso, um velho sem cultura e sem futuro, um quase simplório.
Como todos os outros, um dia também terei de ir. E esse dia está cada vez mais próximo?