A Placa de Isopor Bailarina
(Prosopopeia)
Era uma vez uma Placa de Isopor. Desde o momento em que nasceu na fábrica, moldada pelas máquinas impessoais, ela nutria um sonho secreto e íntimo: queria ser bailarina. Sentia-se leve como uma pluma, mas estava sempre presa, entre caixas e pacotes. Suas fibras, embora rígidas aos olhos humanos, carregavam o desejo de sentir a brisa, de rodopiar como as folhas no outono, de se entregar à liberdade dos ventos. Ela sonhava com o palco, com o brilho dos holofotes. Mas para os outros, era apenas isopor.
O destino, sempre astuto, um dia lhe sorriu. No vai e vem apressado de um caminhão em movimento, em meio ao ruído da cidade, a Placa de Isopor percebeu uma oportunidade. Uma rajada de vento mais forte a envolveu, como os braços de um parceiro de dança, e ela deslizou para fora do caminhão. Não caiu. Saltou. Num movimento gracioso e inesperado, como quem decide que chegou o momento de viver o que antes era só fantasia.
Ali estava ela, flutuando. O asfalto áspero sob suas delicadas bordas, as faixas brancas das pistas desenhando seu palco. Acima, o céu aberto e azul, como um teto de possibilidades. Cada brisa que a tocava a impulsionava, girando, girando. Sua dança começara. O vento era seu maestro, e o tráfego incessante, seu público imprevisível.
A primeira pirueta foi tímida, como uma bailarina estreante que sente o palco sob os pés pela primeira vez. Mas conforme os carros passavam, jogando novas ondas de ar em sua direção, ela ganhava confiança. As piruetas se tornavam mais ousadas, os saltos mais altos. Girava no sentido horário, depois no anti-horário, como se estivesse em um grande recital onde cada rajada de vento coreografava um novo movimento. O asfalto, que para muitos seria um lugar frio e sem vida, transformou-se em seu tablado. E ela, a estrela.
Cada carro que passava arrancava um pedaço de sua leveza, mas isso não a assustava. Ao contrário, fazia parte do espetáculo. Como um artista que se entrega totalmente à sua arte, ela sentia que sua essência era a dança, e dançar era desintegrar-se. Com cada volta, deixava um pouco de si no ar, como se suas partículas se transformassem em notas de música invisíveis, compondo uma sinfonia de rodopios.
O sol brilhou como holofote sobre ela, seus raios aquecendo sua dança, enquanto as sombras dos carros eram as cortinas que se abriam e fechavam. A Placa de Isopor, que antes vivia na sombra dos objetos utilitários, agora estava no centro de tudo. Não havia público que a aplaudisse, mas ela não se importava. Ela dançava para si mesma. Dançava porque, naquele momento, era o que sempre sonhara ser. E nada mais importava.
Com o tempo, a Placa de Isopor começou a perder massa. Um pedaço aqui, outro ali. Pequenos fragmentos, como faíscas de estrelas, voavam ao redor, espalhando-se pelo vento. Mas ela não lamentava. Cada giro a deixava mais leve, mais etérea. Quanto mais se desintegrava, mais intensa sua dança se tornava. A estrada era longa, mas sua coreografia já estava escrita nas correntes de ar que a carregavam.
Então veio o último giro. Um carro passou mais rápido, e um vento forte a ergueu numa pirueta final, uma volta mais alta, mais ampla, como se quisesse tocar o céu. Sua forma, já quase invisível, se desfez suavemente no ar. Fragmentos mínimos flutuaram pelo espaço, como poeira de um sonho realizado. No entanto, não havia tristeza. A Placa de Isopor Bailarina se desfez sorrindo, pois soubera que, em sua breve jornada, havia dançado como nunca.
E assim ela se foi, leve como o sonho de uma bailarina que realiza seu último grande salto. O asfalto continuou ali, os carros seguiram seu curso, mas algo na atmosfera havia mudado. Um brilho imperceptível ficou no ar, um brilho que só aqueles que sonham podem ver.
Porque, afinal, a Placa de Isopor Bailarina não era apenas uma placa. Era uma sonhadora, e, por breves momentos, no palco do mundo, realizou o que mais desejava: dançou, e dançou livre.