MINHA PASSAGEM PELO MANICÔMIO

Por meses, vinha alimentando uma ideia perturbadora: como captar com precisão o caos, a confusão e a dor que permeiam a mente de um ser humano em estado de insanidade? O que realmente se passa nas profundezas de um manicômio? Como escritor de ficção científica, era minha responsabilidade retratar esses cenários com o máximo de realismo. E assim, em comum acordo com a direção de um hospício local, decidi me internar como paciente falso. O objetivo era simples: imergir em uma realidade alternativa, coletar elementos genuínos e autênticos que pudessem infundir vida à minha nova obra.

No entanto, o que inicialmente parecia ser um experimento controlado e seguro rapidamente se transformou em um pesadelo fora de controle.

No dia marcado, entrei no hospício com uma mistura de excitação e temor. O cheiro forte de desinfetante e as paredes pálidas e descascadas criavam uma atmosfera sufocante. Era um lugar que parecia ter esquecido a esperança em algum ponto distante do passado. Fui levado para a ala dos pacientes sob cuidados rigorosos, onde meu disfarce seria posto à prova.

Os dias passavam em uma cadência lenta, com o ambiente hostil e as interações perturbadoras me oferecendo uma infinidade de material para o meu livro. Mas as conversas com os outros "internos" revelaram um novo e inesperado aspecto da minha experiência. Caminhando pelos corredores, encontrei-me cercado por figuras históricas e mitológicas, suas presenças criando um cenário surreal e perturbador.

Napoleão Bonaparte andava de um lado para o outro, as mãos cruzadas nas costas, murmurando sobre estratégias militares que poderiam ter evitado sua derrota em Waterloo. Mais adiante, Maria Antonieta, com um olhar perdido, sussurrava sobre o pão e os bolos. Gengis Khan, com um ar ameaçador, falava de suas conquistas e territórios que ainda pretendia dominar. E, em meio a tudo isso, Apolo e Netuno discutiam sobre o domínio dos céus e dos mares, enquanto três alienados se acreditavam ser a Santíssima Trindade ("Pai, Filho e Espírito Santo").

Napoleão, enquanto se lamentava incessantemente sobre a catástrofe da campanha russa, não se cansava de massagear sua úlcera gástrica. Com uma mão sempre pousada sobre o estômago, ele esfregava a área com movimentos lentos e circulares, como se o ato pudesse aliviar tanto a dor física quanto o tormento mental que o consumia.

"Esse maldito inverno...", ele murmurava, a voz carregada de amargura, enquanto seus dedos pressionavam a carne dolorida. "Essa dor... é o preço de minha ambição. Caí feito um patinho na estratégia russa. Como pude ser tão cego?"

A úlcera, símbolo de suas preocupações e derrotas acumuladas, parecia arder ainda mais com cada recordação amarga. Napoleão associava a dor crônica em seu estômago à lembrança constante de seus erros, como se a própria condição fosse uma manifestação física de seu fracasso. A cada vez que ele relembrava as tropas congeladas, a fome e o desespero, seus dedos pressionavam mais forte, buscando um alívio que jamais chegaria.

Em meio ao frenesi musical de Tchaikowsky, que regia sua clássica obra "Overture 1812" com sua orquestra invisível com paixão, cantarolando o trecho que sombreava La Marseillaise e o Canon Russo. Napoleão permanecia perdido em sua autoimolação, a dor em seu estômago ecoando a desolação de sua alma. A úlcera gástrica, que nunca o deixava em paz, tornava-se uma metáfora viva de seu declínio, um lembrete constante de que até mesmo os maiores líderes estão sujeitos às mais humanas das condições: o arrependimento e a dor física.

Um deles, que dizia ser Jesus, aproximou-se de mim com um olhar compassivo. "Meu filho", ele disse, tentando impor suas mãos sobre minha cabeça. "Eu o abençoo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo." A sensação era ao mesmo tempo surreal e perturbadora; cada interação parecia uma mistura de tragédia e comédia, um reflexo distorcido da realidade que eu conhecia.

Enquanto isso, Nero, com um sorriso maquiavélico, se gloriava de sua astúcia em ter manipulado a história a seu favor. Sentado em um canto isolado do manicômio, ele dedilhava sua lira desafinada, produzindo notas dissonantes que preenchiam o ar com uma melodia perturbadora. A cada toque, seus olhos brilhavam com uma mistura de loucura e vaidade, refletindo o prazer sombrio que sentia ao recordar o grande incêndio que devastara Roma, se gloriando do seu ardil em transferir sua culpa por ter incendiado Roma aos cristãos.

Abraham Lincoln discutia sobre a guerra civil americana com Getúlio Vargas, que, por sua vez, falava sobre as dificuldades de governar um país dividido. Mahatma Ghandi insistia em dizer que a ministra indiana Indira Ghandi não era sua filha nem ao menos sua parenta enquanto esta não se cansava de o chamar de "pápi". Teresa de Calcutá, Irmã Dulce e Joana Angélica tentavam acalmar os ânimos exaltados, oferecendo palavras de consolo e orações, enquanto a guerra dos Titãs contra os deuses do Olimpo parecia estar se desenrolando em uma versão distorcida e caótica.

A presença do Octopus Mais Um, um ser misterioso de nove tentáculos que misturava mitologia, ficção e delírios pessoais, também era marcante. Em seu discurso, tentava convencer os seres marinhos que eles poderiam ser quem quisessem. Um tubarão poderia ser um girino, uma orca um caraguejo etc. O que importava, segundo ele, era o que eles pensassem de si próprios. Ele se autodenominava um híbrido de homem e polvo, dotado de poderes sobre-humanos e de um intelecto superior, e insistia em compartilhar suas teorias sobre o futuro da humanidade.

Com o passar do tempo, as linhas entre a realidade e a fantasia começaram a se desfocar. O hospício tornou-se um cenário onde as figuras históricas e mitológicas se entrelaçavam, criando um ambiente de caos e desorientação. O delírio coletivo dos internos e a minha própria desorientação culminaram em uma experiência que parecia ser um pesadelo interminável.

Na manhã seguinte, fui despertado bruscamente e conduzido por dois enfermeiros de semblantes duros. A confusão começou a se instalar quando, ao ser levado para uma sala que não fazia parte do meu itinerário planejado, percebi que algo estava errado. Fui despido da minha identidade, forçado a vestir uma camisa de força, e sem qualquer explicação, me encontrei deitado em uma fria mesa cirúrgica. A sala era iluminada por luzes brancas e ofuscantes, e o cheiro de antisséptico era sufocante.

"Onde estou?" pensei, enquanto o pânico começava a se instaurar em minha mente. Tentei me levantar, mas as amarras da camisa de força me mantinham preso. Os enfermeiros ao meu redor falavam em termos técnicos que eu mal conseguia compreender, e foi então que ouvi algo que congelou meu sangue: "Preparem a droga para a castração química."

Meu coração disparou. De alguma forma, haviam me confundido com o criminoso que todos temiam. Aquilo não poderia estar acontecendo. A princípio, acreditei que era apenas um erro menor que seria corrigido rapidamente. Mas à medida que os preparativos avançavam, percebi que estava completamente impotente, e que a realidade era muito mais aterrorizante do que qualquer coisa que eu pudesse ter imaginado.

"Vocês estão cometendo um engano!" gritei, com a voz trêmula de desespero. "Eu não sou quem vocês pensam! Sou um escritor, estou aqui para pesquisa, por favor, falem com a direção!" O técnico encarregado da aplicação, um homem de meia-idade com um olhar cansado e indiferente, me lançou um olhar de desdém. "Eles sempre dizem isso", murmurou, sem sequer me olhar nos olhos, enquanto ajustava a seringa com uma substância translúcida. Sua voz carregava uma frieza que apenas intensificava o meu medo. "Todos aqui são inocentes, não é? Mas, cá pra nós, é uma pena esse belo espécime se tornar algo como um anexo inútil!"

Tentei lutar contra as amarras, mas era inútil. Meus protestos eram ignorados, e a sala, com suas paredes brancas e estéreis, parecia fechar-se ao meu redor, sufocando qualquer esperança que eu ainda tivesse. O técnico, aparentemente acostumado com cenas de pânico, começou a cantarolar uma melodia insensível, uma canção de ninar perversa que contrastava grotescamente com a gravidade do momento.

Ele se aproximou da minha coxa e, com um toque clínico, localizou a safena. Seus dedos eram firmes, frios e desprovidos de empatia. "Antes que a droga faça efeito, você já terá esquecido tudo isso", disse ele, como se estivesse me consolando.

Em um último ato de desespero, fechei os olhos e clamei ao Altíssimo. Em meio à confusão de pensamentos, pedi que, de alguma forma, aquela substância não tivesse poder sobre mim, que eu não sofresse as consequências irreversíveis de um erro tão absurdo. Enquanto a agulha perfurava minha pele, senti uma ardência que subia pela perna, misturada ao frio da substância injetada. Sabia que estava prestes a perder tudo o que me definia como ser humano.

Mas então, no momento em que minha visão começou a turvar e o torpor começou a tomar conta do meu corpo, a porta se abriu abruptamente. O diretor do hospício entrou apressado, seu rosto pálido e expressão alarmada. "O que está acontecendo aqui? Pare agora mesmo!" gritou ele, dirigindo-se ao técnico e aos enfermeiros.

O técnico, surpreso, retirou a seringa e se afastou rapidamente, enquanto o diretor me olhava com um misto de preocupação e remorso. "Não era para você passar por isso", disse ele, sua voz carregada de culpa. "Isso foi um erro terrível. Vamos retirar você daqui imediatamente."

Aquelas palavras foram um alívio, mas a realidade do que eu havia experimentado ainda não se dissipava. O hospital foi uma lenda negra em minha memória, um pesadelo onde os delírios se misturavam à dor, e o último ato de minha jornada foi marcado pela sensação de que eu havia sido salvo por um triz, mas com um custo imensurável.

Ao ser retirado da sala e levado para um ambiente mais tranquilo, o diretor tentava explicar que houve uma confusão com outro paciente, e que eu não deveria ter sido submetido a tal procedimento. No entanto, mesmo com a garantia de que nada de grave havia acontecido, o trauma psicológico foi profundo e duradouro.

Meu experimento no manicômio acabou se tornando um pesadelo pessoal que moldou meu entendimento sobre o sofrimento humano e a fragilidade da condição humana. A tentativa de capturar a essência do caos e da confusão revelou uma crueldade que eu nunca poderia ter antecipado. E o hospício, com suas sombras e ecos de insanidade, tornou-se uma parte indelével da minha própria história.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 30/08/2024
Reeditado em 30/08/2024
Código do texto: T8140208
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