Diario de um diabo - Nascer não dói.

Vindo das profundezas não sei de onde, de onde vem a vida, venha ver, venha ver a luz que alguém vai dar.

Alguém vai nascer de alguém, um moço, uma senhora, em uma hora, as dores do parto tão sentidas, na hora certa marcada pelo destino, O Universo se inclinará para lhe soprar às narinas o fôlego da vida.

Assim um milagre acontece aqui e acolá, nascem pessoas, uns sorriem outros choram. Alguma luz mata a escuridão, mas não é só de luz no fim do túnel que se conta essa esperança, quando uma sombra morre vira luz, há muito escuro, muito escuro no fim da luz. Há quem não acredite em milagres...

Dez e quarenta e cinco da manhã de uma domingo ou de uma segunda, quem vai nascer ou morrer não escolhe, já está escrito, é o que dizem.

Aos sete meses de gestação ainda não há produção de surfactante suficiente, mas foi assim que eu vim, prematuro, em meu primeiro respirar não veio o ar, veio provavelmente a dor de começar a morrer. Eu sei, abençoado com uma vida maravilhosa pela frente, só teria que vencer os primeiros 9 dias entre a vida e a morte numa incubadora, e o coraçãozinho não batia a contento, vai morrer, vai morrer, o coraçãozinho não batia contente, mas batia, batia bem rápido e parava, voltava, candência de vida, cadência cadência, suspense... pois bem, depois desse breve e interminável martírio, a beleza da vida, é bonita, é bonita.

Os primeiros anos sem pai, sem paradeiro, sem padrinho, sem padroeiro, uma música livre, um choro revoltado, algum abandono, alguma pena, sorrisos e gargalhadas que não me lembro, algumas surras da vida, minha mãe é Deus e meu pai é Deus.

Criado e castigado, recompensado e agraciado, fui ter consciência. Meu Deus, meu pai, ninguém está preparado para isso! É sabido que a quem muito é dado, muito é cobrado. É maravilhoso demais!

Não é possível que viver seja só isso, nascer, crescer, envelhecer. 80 ou 90 anos por aqui e morrer. Tem que ter alguma coisa além, além da vida, além da escuridão, além da luz. Além de nascer de novo.