XXV

Há discos voadores lá fora inundando minha vida de impossível. Há, mas ninguém vê, há, mas poucos sabem. Fora o impossível, você acorda no meio das palavras e se lembra do último retrato que viu no seu redmi mote 8. Era o retrato de Rosinha Palatnik no poema de uma índia.

O tempo para, você respira.

Percebe que sem querer roubou a consciência de uma pele ao avesso. Percebe que José Saramago faz parte da sua vida mais do que imagina. O tempo para, mas não para para que os outros parem por você. É que você se lembra e o tempo esquece. É que você sente e o presente ainda não é tudo. É que você escreve e as palavras parecem não ser suas.

Devia ter mergulhado no metaverso mais cedo, quando o cachorro latia. Devia ter feito mais e lido mais. Devia ter feito tudo o que não fez. Agora, o cachorro late e você faz o que não devia estar fazendo. A luz assusta e o foguete não tem som, assim como essa lembrança de tudo o que poderia ser e não foi.

Não é uma crônica, não é uma obra-prima, não é um carro, não é uma casa, não é a eternidade que você queria passar com quem você ama. Essas palavras não chegam a ser metade daquilo em que você acredita. Essas palavras somos nós perdidos no impossível de uma noite que nunca aconteceu, ou de um dia que jamais poderia ter acontecido. Somos nós perdidos no infinito daquilo que um pretérito imperfeito não explica, mas que um copo de vinho ameniza.

Eu também tenho medo, você. Tenho medo de não acordar amanhã para ouvir os pássaros ou a voz da minha mãe, tenho medo de nunca mais poder ouvir Belchior dizer que o passado é uma roupa que não nos serve mais ou de não poder ver quanto azul cabe numa esperança. Eu tenho medo, José, de não saber para onde vou quando a tinta da caneta acabar. Eu tenho tanto medo que me enfezo e atiro nesse desgraçado, que nunca me deixa viver, mas sempre me salva da morte. Depois do enterro, fazemos as pazes e eu sempre vou ao seu túmulo prestar minhas condolências e deixar sobre o mármore uma rosa amarela.

Você acorda, de novo, no meio das palavras lerdo e inerte do papel que tem na trama. Você me vê e talvez eu nunca chegue a saber o seu nome, porque meu papel está cheio de loucuras e discos voadores; mas você, você, ainda pode esquecer tudo isso e viver sua vida de escovar os dentes, pentear o cabelo, tomar o café, dobrar as roupas, enviar os e-mails, reclamar do calor, perder tempo no Facebook, não ver as mensagens no WhatsApp e quem sabe dar um beijo numa alma estranha, bonita de corpo. Você, você, pode fingir que nunca leu essas palavras e seguir sua vida repleta de cotidiano e manhãs automáticas, mas eu sei que será impossível.