Chá de urtigas
Talvez não houvesse critério. Havia dias em que eu chegava e você prontamente me servia uma taça de vinho, conversávamos, riamos, nos tocávamos, e, ao entardecer, eu ia embora.
Outras vezes eu chegava e você, com um ar cansado, me servia um copo d’água. Não estou reclamando, o vinho nunca foi o motivo das minhas visitas. Mas depois de servir a água você mal falava comigo. As vezes ia fazer outra coisa, mas insistia que eu voltasse no dia seguinte. E eu voltava.
Eu poderia lidar com os dias de água e de vinho. O problema eram os dias em que eu chegava e te encontrava sentado à mesa, com um ar irritado, o copo já posto a sua frente. Olhar para o líquido esverdeado já me fazia encher de lágrimas os olhos. Chá de urtiga.
Você não me dirigia uma palavra. Me encarava, indicando o copo. “Vai, bebe”, o seu olhar dizia. E eu, incapaz de te fazer a desfeita, me sentava, respirava fundo, pegava o copo e bebia o líquido. Bebia de uma só vez, porque, depois de um tempo, descobri que assim era um pouco melhor. Enquanto você me assistia sem esboçar qualquer reação. Quando eu terminava, colocava o copo na mesa, e, passados alguns segundos, você se levantava, dizia “até amanhã” e me dava as costas.
Quando finalmente decidi que não iria mais me submeter a isso, você ainda tentou me culpar, me dizendo que ninguém jamais iria me oferecer vinho todos os dias. “Bêbado”, “Interesseiro” você me disse. Te perguntei se vinho, água e chá de urtiga era tudo que você conhecia, mas não aguardei a resposta. Saí.
A parte mais triste dessa história é que todo esse chá de urtiga machucou minha garganta. Hoje já não consigo aceitar sequer o vinho quando alguém me oferece.