SALA DE EMBARQUE, ÚLTIMA CHAMADA

Abertura:

Uma pacata vila. Madrugada de 4 de março de 1951. Enquanto todos dormem, a Estrela Dalva desponta no nascente anunciando, em instantes, o raiar de um novo dia. Também, prenuncia o nascimento de um lindo garoto que, sem sombra de dúvida, alegrará aquele humilde, mas felizardo lar.

As mãos de Mãe Pinta seguram um robusto menino de seis quilos, cabelos louros, olhos verdes, cinquenta centímetros de tamanho. Entrega-o a Dona Maria que o põe no peito e ele o suga avidamente. Seo Pedro não cabe em si, de contentamento. João Bush é o centro das atenções no Salão de Chegada. Muitas outras crianças também desembarcam naquela manhã, dentre elas, Terezinha, a três salas ao lado direito.

O que mais impressiona, é ver crianças recém-chegadas passarem direto para o portão de embarque.

_ Dona Maria! Cadê a Lisiete que nunca mais a vimos? _ pergunta uma conhecida.

_ Ah, Macline! Infelizmente ela entrou pelo portão de embarque e partiu diretamente do berçário, há três anos. _ Responde Dona Maria.

_ E a Aninha? _ Pergunta outra.

_ Essa, Dália, também partiu, quando ainda estava no jardim da infância.

1º Ato: PRIMAVERA

Árvores e arbustos de aparência morta, totalmente desfolhados pela ação do frio do outono e inverno, como que por milagre, eclodem, desabrocham em flores dos mais variados tons em cores vivas, conforme suas espécies. Abelhas voam e bailam em torno das flores a colher o pólen da florada que preenche o ar com suave odor de múltiplas fragrâncias.

Tanto no saguão do aeroporto, quanto nas plataformas das estações de trem e ônibus, centenas de pessoas transitam para lá e para cá, uns de chegada, outros em trânsito, mais alguns de mudança, com passagens só de ida.

Aqui, crianças brincam com seus pais, outros ali, com primos ou amigos, em grupos em conformidade com suas faixas etárias. Um pouco mais adiante netos e avós desfrutam um gostoso bate-papo, brincando de palavras-cruzadas sudoko e até charadas e advinhas.

2º Ato: VERÃO

No verão, a estação é marcada pela alternância entre o úmido calor e o frio arrefecendo com a presença de copiosas chuvas. É a inevitável chegada da puberdade com suas características turbulências, num jogo de emoções e humores que desestabiliza qualquer ser vivente.

Como isso por si só não bastasse, os adultos não entendem ou fingem não entender o que as crianças e adolescentes falam, pensam ou sentem e ainda dificultam suas aspirações e transição de fase e chegam até a fazer bullying. Isto, não raro, imprime traumas e retração mental que os prejudicam ao longo de suas existências.

_ Você ficou sabendo, Bush? O Vavá tá na Sala de Embarque.

_ Como assim, Itinho? Mas ele só tem oito anos!

_ Pois então! Ele caiu da bicicleta e machucou a perna. O médico pediu chapas e exames. Descobriu que ele tá com câncer de sangue. Pode embarcar a qualquer momento.

Trinta dias depois, Itinho chorando, conta para Bush:

_ Ai, meu amigo! O Vavá acaba de embarcar. Tamos todos sem chão.

_ Não acredito, Itinho! Como pode um menino novo como nós, partir tão cedo? Não é justo! Não é justo!

_ Venham, cá, vocês dois! _ Intervém Dona Maria, mãe do Bush. _ Não cabe a nós decidir o que é justo ou não. A Sábia Providência é que sabe e determina o tempo de a gente embarcar. Apenas aceitamos. Estamos aqui de passagem. Se aceitamos, dói menos.

_ Mesmo assim, é difícil de aceitar.

_ Sim, filho! Mas é assim que funcionam as coisas. A propósito, a Sala de Embarque tem sempre gente partindo, vinda de todas as estações.

3º Ato: OUTONO

Nesta fase adulta, rapazes e moças seguem a vida normalmente, bem resolvidos, apesar de não poucos destes andarem retraídos e atropelados com seus próprios traumas, frutos de uma transição mal resolvida.

Como sempre, o encontro de gerações é corriqueiro e, para não variar, com muito desencontro dessas estações.

_ Há quanto tendo, Danilo! Quem é essa bela jovem ao seu lado? E essas adoráveis crianças?

_ Acho que uns vinte a vinte e cinco anos. A gente estava terminando a Faculdade. Eu me formando em Engenharia Aeroespacial e você, Medicina, quase no final de sua residência médica. Esta é a Susana, formou-se em Biomedicina e se especializou em Engenharia Genética. E, estes, Danilo, Rachel e Israel. E com você, quem são?

_ Muito feliz, por vocês. Encantado! _ A cumprimentar a família do amigo que há muito não tinha notícia. _ Esta (apontando) é minha cara metade Rosinha, aquela que me completa em tudo e, estes, Danilo, Israel e Raquel. Mesmos nomes, mas em ordem diferente.

_ Mas Bush! Eu tinha certeza que você se casaria com a Elis. Tinha até um bebê em andamento…

_ Não gostaria de tocar nessa farpa, mas já que abriu essa ferida, vou deixar isso às claras. Depois de ela me chantagear usando o bebê como moeda de troca, embora em tivesse assumido e prometido assistência 100% à criança que estava pra nascer, ela, por vingança, pôs Júnior pra embarcar diretamente de seu ventre. Por profissão e por convicção, isso fez-me afastar dela definitivamente.

_ E a Rosinha? Como entrou em sua história?

_ A Rosinha? Ela estava sempre ao meu lado no hospital, e foi um apoio moral na perda do Júnior. Ela é um presente divino na hora certa.

4º Ato: INVERNO

Salas de embarque lotadas. Idosos e muitos em idade pré-invernal chegam a todo instante. Enquanto aguarda a última chamada, alguns leem, outros batem gostoso papo. Na primeira fila, um feliz vovô brinca com seu netinho recém-chegado. Od Neto é o orgulho de Od Exmerum que não se cansa de agradecer ao Eterno pelo privilégio de ver sua terceira geração chegando, mesmo que ele esteja na Sala de Embarque, prestes a partir.

Estrategicamente, Od, segurando seu netinho e entre os abraços de seu filho e nora, pega o final da fila que lentamente, um a um, adentra o túnel de embarque. Antes de entrar, beija seu neto, o filho e a nora. Faz uma oração por eles, fecha os olhos no afã de guardar esse momento em sua memória e, num último suspiro, parte confiante.

EPÍLOGO

De repente, um sinal sonoro se faz ouvir:

_ “Atenção, Senhores Passageiros! Última chamada para o embarque! Aqueles que embarcam, não podem portar nada deste lugar. Queiram tomar os seus assentos e tenham todos uma boa viagem!”

Um corredor de intensa luz se descortina à sua frente. Seres de luz os saúdam, ao som de:

_“Bem-vindos ao Lar!”

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 14/11/2021
Reeditado em 15/11/2021
Código do texto: T7385077
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