Considerações sobre Miguel Real em Introdução ao Direito
Miguel Reale considerou limitada a perspectiva positivista da norma jurídica porque era muito limitada a um fato incorrer em uma consequência apenas. Para então ampliar este conceito, ele formula a Teoria Tridimensional do Direito. Em Lições Preliminares do Direito afirma que “Sendo a regra jurídica o elemento nuclear do Direito, é evidente que ela não pode deixar de ter uma estrutura tridimensional.”
Interessante salientar aqui que Reale não faz uma crítica simplesmente ao que considera elementar, mas dá uma luz ao tema. Apresenta uma solução. Quiçá os homens que criticam apresentassem soluções ao que consideram capenga. Quem sabe o mundo seria um lugar melhor, bem melhor. A crítica pela crítica, vazia de sentido, não leva a nada.
A Enciclopédia Jurídica da PUC traduz a teoria de Miguel Reale de uma forma mais didática. Vamos aqui explicitar suas considerações para expor o que são os elementos norma, fato e valor, que formam a tríade da tridimensionalidade do direito: “Assim sendo, por que fato, valor e norma? Porque onde quer que se encontre a experiência jurídica haverá um fato com a condição de conduta, que liga sujeitos entre si, haverá o valor como intuição primordial, que avaliará o fato; haverá a norma, que é a medida de concreção do valioso no plano de conduta social.”
Como primeiro elemento da tríade temos o fato social, objeto da sociologia jurídica. Antes de se ter um Direito constituído como temos hoje, o homem havia uma ideia intuitiva do correto, da retidão de conceitos mais baseado na conduta agradável a Deus, a religião e a moral social. Depois isto foi sendo ampliando e ele passou a conceber o fato também como exterior a ele, numa maneira mais racional, de encontro com o outro ser. A série da Netflix Drop Dead Diva apresenta um exemplo de como podemos encarar o fato social como desencadeador de processos humanos. Deb, uma linda aspirante a modelo, amante do corpo, dietas, produtos de beleza morre e entra no corpo de Jane, uma advogada sem graça em seus atributos estéticos e gorda, mas brilhante profissionalmente. Assimilar a inteligência e brilhantismo profissional de Jane à sua vida maçante e fútil faz Deb pirar. Vemos aí o fato de que, socialmente, a beleza é superestimada e a inteligência apagada, a priori. Mas numa visão mais profunda, ambos têm pontos positivos e negativos a serem discutidos à luz do Direito e a série apresenta a aplicabilidade deles em processos e tribunais.
A norma, segundo elemento, objeto da ciência jurídica, parte do pressuposto de que é necessário termos uma base para partir, um conjunto de regras que até podem ser alteradas, segundo a zetética a posteriori, mas, como afirma a dogmática, precisam de uma base concreta secular. O fato é que como poderíamos ter a aplicabilidade do Direito sem uma fonte para partir, para iniciar o processo? A norma passa a ser o elemento básico que constitui a teoria. A série da Netflix Suits mostra Harvey Specter ferindo uma norma jurídica ao contratar Mike Ross como advogado sem o mesmo ter formação para tal. E ele realiza um trabalho brilhante.
E como terceiro elemento temos o valor, objeto da filosofia jurídica. Os valores consistem naquilo que temos de mais precioso, de conceitos exteriores, que consideramos como imutáveis, pontos nevrálgicos imutáveis, que causam desordem interna se forem tocados. É aquilo que se tem de mais humano em si. São constituídos ao longo de uma vida, ou sociedade, como sendo o que retrata sua humanidade, sua forma de encarar seu processo evolutivo do que pode ou não pode acontecer. A série da Amazon The Good Wife apresenta Alicia Florrick sendo traída pelo marido e volta a advogar. O valor do casamento é aí ameaçado pela traição, ferido de forma inescrupulosa. Mas ela dá a volta por cima.
A teoria tridimensional de Miguel Reale se constitui num embricamento complexo do Direito por envolver disciplinas afins e elementos constitutivos que se emaranham de forma coerente. Mas, ao mesmo tempo, é tão simples, tão embrionária, tão natural. Ao constituir os elementos da norma, fato e valor, numa visão mais humana interior, concebemos que não poderia deixar de ser, já que o homem tem dentro de si esta visão, esta tríade complexa que ele até pode não entender em teoria, mas entende pelo que originalmente sente. Ao postular sua teoria, Miguel Reale trouxe à luz do Direito as raízes mais remotas do que o homem entende por justiça e sua aplicabilidade.
As mudanças na vida da população em decorrência das restrições impostas pelas medidas de enfrentamento da pandemia viral que assola o globo têm despertado inúmeras reflexões sobre a aplicação dos institutos jurídicos, abruptamente submetidos a um novo pano de fundo. Isto não quer dizer que da nova realidade deva nascer um direito absolutamente novo, mas que se deve pensar na adequação das antigas soluções aos novos problemas, na eventual necessidade de soluções ainda não pensadas ou, talvez, reconhecer que algumas relações apresentam maior imunidade à realidade transitória imposta pelo vírus. Neste primeiro semestre do Curso de Direito, na disciplina de Introdução ao Direito com o professor Cláudio Oliveira Filho, temos verificado tanto esta teoria da tridimensionalidade da norma jurídica por Miguel Reale, como a questão perspectiva zetética e dogmática quanto outros conceitos iniciais ao estudo do Direito. Este conhecimento alinhado com a vivência da atual conjuntura mundial nos faz mesmo ter uma reflexão diferenciada que poderia ser diferente se aqui não estivéssemos. Quiçá estes novos prospectores a exercer as futuras cátedras do Direito levem aonde forem sua experiência atual e, à luz da normatização jurídica, mas com a ideia do avanço das mesmas, possam elucidar uma justiça mais humana e focada em novos problemas que possam a surgir posteriormente. Temos muito a aprender e com este novo aprendizado avançarmos tanto como seres humanos que somos, como futuros profissionais do Direito que seremos. Que realmente façamos uma ação com esta série de aprendizados a que estamos sendo expostos a nível mundial.