Diálogos
-Há quanto tempo não as vejo por aqui, e agora enfim nós podemos conversar mais a sós...
-Sós estes em que me lembro de quando nos conhecemos naquele bendito quarto...
-Bendito quarto ao qual comecei a escrever minhas cartas apaixonadas naquele início de verão...
-Verão que foi o nosso último encontro, lembras? Eu viajei a ausentei por duas semanas para me dedicar um pouco a minha casa...
-Enquanto eu fiquei a continuar a escrever mais e mais, solitariamente...
-Solitariamente, eu decidi partir sem levar pertences. Sem olhar para as memórias em que estejam no armário de madeira, envelhecido e por fim quase caindo no esquecimento...
-Esquecimento este em que tu hás de ter feito da pior maneira possível, porque eu acabei a te esquecer em minhas linhas...
-Linhas? Eu alguma vez eu andei por linhas? Que me lembro as tuas eram tortas...
-Tortas foram como ficaram os meus escritos quando os enviei, quanto arrependimento eu carreguei...
-Carregou? Tu ficaste a massacrar-te com tamanha dor...
-Dor, eu lembro de quando disse adeus sem olhar para trás. Em linha...
-Outra vez falaremos de linhas?
-Em linha reta, assim que nós andamos. Deixe-nos continuar... foi uma despedida dolorosa eu sei, lembro da viagem que tu fizeste e pensaste tão bem em tudo que foi passado. Nós amamos demais aquele lugar...
-Um lugar que um dia já foi meu, já foi teu e já foi nosso. Às vezes a vontade de voltar ao tempo e ter rasgado aqueles papéis teria sido a melhor de todas as tuas ações...
-Ações que eu havia de ter medo. Não fui movido por vaidade e nem por um subido crescimento de vida. Aquilo foi uma fantasia bem feita por ti, porque tu havias de ter medo de perder todo amor que tu havias construído...
-E que eu construí sim com muita verdade, mas tu havias de convir de eu sentia de que estava desgastado por dentro. Talvez o nosso espaço seria o fim de minha vida e de tudo que eu sonhei...
-Mas os meus sonhos eu destruí. Tu pensaste bem nisso? Óbvio que não. Iludiste com o primeiro amor de Verão que te fez mexer com teus escritos...
-Não foi o primeiro, nem há de ser o último! Fiquei a iludir sim o desejo de viver uma cidade grande, uma nova descoberta e sair da vida que eu tinha...
-Mas eu já havia de ter uma vida próspera ali. Quantos trajes tu colocaste na rua? Quantas vezes eu vi-me a bater as pernas nas ruas da cidade? Então tu não venhas a dizer que por falta de vida...
-Não digo por falta de vida que eu sofria, mas era por ter envergonhado lhes com os meus devaneios. Errei sim e errei mais ainda em lhes ter feito esquecer...
-Esquecer que um dia tu fizeste parte de nós? Ou nós fizemos parte de ti? Ou eu fez por nós e nós pelo eu?
-Eu fui egoísta todo mundo sabe e tu foste embora. Esta é a verdade. Tu foste embora pelo egoísmo, motivo pelo medo de eu assumir os teus erros...
-Erros que nós devíamos ter aceitado como parte de um todo. Tu só querias fugir dali para não morrer de vergonha das pessoas que foram magoadas por ti e eu só fiquei a desaparecer com a neblina...
-Neblina que invadiu o meu quarto e o dia em que tu tomaste a pior das decisões...
-Decisões, quanto arrependimento! Demorei tanto para te ver e olhar-me de novo...
-Por que na minha última opinião, tu já estavas morto, assim como escritos que foram deixados à míngua...
-Esses escritos eu nunca mais pude mexer nem mesmo em outras ocasiões, por talvez te sentir que nós estamos à deriva do ostracismo...
-Se há o meu perdão para tudo isso que foi provocado por ti, difícil responder-lhe com o devido trato, mas felicito-me em escrever novamente e poder enfim colocar uma conversa franca e sincera contigo...
-Ou melhor, conosco...
-Eu quem devo ganhar a felicidade de lhes verem tão bem. Acho que nós estamos a nos reencontrar em meu equilíbrio. Poderíamos promover mais conversas como estas?
-Estas em que eu estarei com vocês; vocês estarão com tu; e o tu estarás com o eu...
-Eu não sei se é boa conversa ter novamente com tua pessoa, porque eu já sou o teu passado e – como bom passado – devo ser só uma caixa de memórias tuas...
-Tuas que serão minhas e nossas, mas não é uma promessa de nova conversa, mas é uma oportunidade de havermos próximo encontro sem compromisso algum...
-Se for como este, tu vais levar anos e eu levarei pó...
-Não seja pessimista. Quando acontecer, acontecerá...
-Acontecerá como acontecido comigo, contigo e com o eu.
-Eu despeço-me de vocês. Até breve...
-Até breve ou até amanhã se formos tomar um café ou tu vais continuar a escrever?