Venenos

Não espero mais,

as batidas dela, na porta

pouco antes de amanhecer,

desde que parou de fazer sentido esperar.

Às vezes acho que estamos mortos

um para o outro.

Às vezes acordo e penso nela

no meio da madrugada,

depois de algum sonho incompreensível.

No entanto, não larguei meus antigos hábitos

e a cerveja

ou as noites que passam arrastadas

de melancolia

e fumaça,

encarando a tela do computador

em busca das minhas palavras.

Ah. Sinto mais falta das palavras do que dela

mas continuo na busca

que é o que me parece a única coisa útil

e digna

que eu poderia estar fazendo

com o meu tempo.

ainda assim já sinto o peso da derrota

se acumulando nos meus ombros

e endurecendo os meus dedos.

Não há mais paixão

para que eu me jogue no papel

Não há o tesão,

nem as noites em que eu passava mergulhado dentro dela

entre gemidos

e suspiros

em que ela me arrastava

e me puxava sempre mais para perto,

mais para dentro

como se ela precisasse me absorver

e me dissolver dentro de si mesma,

para depois me jogar para fora

como fumaça

depois da transa.

Talvez fosse um vício,

talvez fosse uma doença

o que me afetava,

de forma que quando eu não estava em sua cama,

estava escrevendo alguma coisa sobre ela.

ou simplesmente pensando,

e me perguntando

se ela me amava,

além da carne.

É uma pena que certas mentiras tenham um potencial tão grande

de encantar.

Talvez a ignorância seja o maior dos afrodisíacos...

mas enfim,

a verdade pode ser um remédio

amargo de se tomar,

e algumas paixões são venenos

que adoçam a boca

antes de matar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 03/06/2020
Código do texto: T6966399
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