A SESSÃO
CECÍLIA:
O incenso...as velas...a música...
Tudo como o senhor pediu.
Acho que terminei a minha missão.
EURICO:
Posso pedir-lhe que mande a conta mais tarde?
CECÍLIA:
Não se preocupe.Já pertence à minha carteira de clientes.
Nesta casa soam ecos de uma vida.Vejo um casal austero e uma criança assustada.Problemas económicos.A grande epidemia e isso cruza-se com um tempo cinzento, guerras no ultramar e um jovem oficial que regressa com o coração partido.E há uma mulher, uma mulher muito nova que sorri e um sonho e uma esperança, dançam todos num salão dourado e o casamento desfaz-se com o som de tiro.E a mulher afasta-se e há compromissos, lutas, exigências e eles discutem na solidão da casa e depois instala-se o silêncio.O silêncio pesado e surdo.Apenas o tique taque de um relógio ancestral. E o recomeço da vida...o neto...o filho...a correr pela casa.O ciclo da vida.
Não posso continuar, não posso.Falta-me o ar.O senhor desculpe!Vou ter que sair, ir embora.Por hoje, sinto-me esgotada,abusei das minhas forças.
sai
EURICO:
E você, está aí?
A MORTE.
Desde o princípio do mundo.
EURICO:
Sem a ver
Preciso de um conselho.
O que será mais rápido, mais indolor e mais ...higiénico?
Os comprimidos comprimem o abdomen e asfixiam sem garantia de que a senhora seja bem sucedida.
As armas brancas deixam um rasto vermelho e sujam as paredes e consomem num esgar terrível.Quanto a uma corda apertada no pescoço deixa os homens com uma erecção respeitável e eu não quero que a empregada da limpeza depare comigo assim.
A MORTE:
Está a esquecer-se da pistola que adquiriu áquela mulher sinistra no bairro problemático onde se fazem as transacções ilegais e a economia subterrânea prospera a par e passo.
Está mesmo aqui ao seu alcance.
Basta tomar um cognac enquanto ouve a música que a Madame Cecília escolheu, apontar bem na sua fronte e puxar o gatilho.
E num segundo, liberta-se de tudo, de tudo e talvez, dizem, haja uma luz que o espera ao fim do tunel.
EURICO:
Sim.Libertar-me de tudo.Mesmo se não houver tunel nem luz.