AS CHUVAS DA MINHA TERRA
(Revisto e atualizado)
Ouço alguém comentar numa rede social: _ “Está chovendo em Juazeiro.” _ Outro diz: _ “Também chove em Missão Nova.” E assim, vamos sabendo que está chovendo em todo o Cariri. Que bom!
Lembro de como fazíamos maior festa quando caía a chuva. E, quando chovia no Covão e Cantagalo, era certa a cheia descer e inundar os canaviais e o corredor.
Acordar de madrugada e ouvir o ronco das águas lá ao longe era algo indescritível e imperdível. A gente ia até os pés de mari do Corredor e ficava esperando e esperando até surgir os primeiros filetes d'água que logo, logo se transformaria numa grande cheia. Iam chegando galhos e até coqueiros e bananeiras inteiras, cobras e lagartos eram arrastados pela fúria das águas que desciam e se encontravam com os Riachos Cantagalo e Missão Nova, tributários do Rio Salgado que descia a se encontrar bem mais abaixo com o Rio Jaguaribe. Mamãe logo advertia:
_ Não podem tomar banho na enchente, pelo menos nos dois primeiros dias de cheia.
_ Por que não, Mamãe! _ pergunta um.
_ Porque, quando desce a cheia, vem arrastando todo tipo de sujeira, cadáveres de animais, cobras… Tudo o que não presta vem descendo com as águas. Só quando as águas se tornarem de turvas para límpidas é que poderemos nos banhar, lavar roupa etc.
O que também me fascinava era a grande festa dos sapos e afins às margens da cheia a cantar sem parar do entardecer até o romper de mais um novo dia. Era uma poesia em disputado desafio: _ "Oi!" _ outro respondia mais ali... _ "Oi!" _ "Foi!" _ gritava outro sapo que logo era replicado com um _ "Não foi!" Outros maiores e insuflados faziam um divertido back-vocal: _ "Boré! Boré! Boré!" _ ou ainda: "Bum! Bum! Bum!" _ bem compassados.
Mas a coisa que mais detestava era aquela chusma de mosquitos e borrachudos no final da tarde. As muriçocas, ávidas por sangue, atacavam nossa pele sem dó nem piedade. _ “Passem esse óleo de cravo-da-índia no corpo! Isso vai afastar as muruanhas de vocês!”
Que alívio, além de ficarmos com um agradável cheiro de tempero. As cantigas dessas asas-de-palha, os pernilongos nos ouvidos, ninguém merece. No afã de abafar o desagradável ruído, nos cobríamos da cabeça os pés até adormecermos. Mas, o calor era implacável e, logo que dormíamos, instintivamente nos descobríamos. Era tudo o que os chupa-sangue mais queriam.
Há distantes invernos, ficávamos ilhados por longos três meses. Uma desafiante travessia de um quilômetro. Passar para o outro lado era uma grande aventura. Vez por outra, uma corredeira, ou atoleiros e mais atoleiros de lama preta e leve odor de matéria orgânica em decomposição. La na curva das cajazeiras, outras corredeiras e minicascatas. Ganhávamos botas de lama até o joelho e, não raro, frieiras entre os dedos dos pés.
Banhos na cachoeira que hoje me custa muito acreditar que não mais exista, banho nas correntes do Rio Cantagalo, apesar do grande risco de sermos levados pela forte correnteza. Já no final do corredor, o Missão Nova descia calmo e imponente, apesar de sereno, força total. Era aí onde residia o perigo. Sempre o respeitei. Era preciso conhecer o caminho das pedras para passarmos em segurança.
Agora longe, bem distante, a cada instante ou sonho, revejo cada dia, cada detalhe dos momentos inesquecíveis que vivemos na longínqua e saudosa infância. Só quem viveu essa época é quem pode reviver a cada resgate de memória daquilo que vivemos e que éramos felizes e sabíamos.
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Interações bem-vindas!
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22/03/2019 12:25 - Marli Caldeira Melris
As chuvas na minha terra
Eram gotas de esperanças
Ela vinha no tempo certo
Como dois mais dois
Onde o Inverno não era Verão
Onde o Outono não era Primavera
A água corria livre
Para os rios e mares
Sem grandes danos
O friozinho aconchegante
Dava - nos o prazer de agasalhar
E a natureza agradecia
As florestas viçosas
Os rios límpidos
Os mares suspiravam
Hoje, o sol grita
A chuva cai desesperada
Em porções
Mas vem e leva a dignidade
Daqueles que dizem
Não ter nada
Mas que perderam "tudo"O que é tudo?
Tudo pra muitos
Ainda é pouco
Mas pra alguns
É uma vida inteira...
De quem é a culpa...(***)...
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Grato Marli pela brolhante e oportuna interação!