O CANTO DA SEREIA - parte IV

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Lilith acordou com um forte sol, cujos raios penetravam até aos fundos da caverna, onde ela ainda se encontrava. Escutou latidos de cães e conversas de homens, que vinha do lado de fora da caverna.

Pelo que tinha sondado, a caverna tinha uma abertura bem em cima, no alto, onde também entrava a luz solar e, onde, as vozes entravam, como eco. E além do foço do lago que se formava, ao centro da gruta, apenas uma saída seria pela frente da gruta, com saída direto para o mar.

Lilith estranhou o movimento, mas não era a primeira vez que estaria sendo 'caçada'. Já acontecera. Mas ela sempre conseguiu fugir, em todas as outras vezes. Em todas as outras vezes que tentaram pegá-la, ela escapou sem medos. Porém, dessa vez, uma grande angústia a tomava.

Pela primeira vez, desde que se lembrava a sondar os mares e oceanos,

nunca antes sentira tanto medo de ser pega. Enquanto pensava nisso,

começou a se 'arrastar' até a entrada da gruta, passando pelo lago. Lembrou que tinha fome. Então pulou para dentro da água, em busca de comida.

Estava comendo as algas que ali tinha em abundância, quando viu homens na água, vários, mergulhadores, vindo rapidamente até onde

Lilith estava. A sereia, muito rapidamente, nadou para fora e num salto agilíssimo, pulou às águas do mar.

A chuva havia deixado vários destroços na areia da praia. O sol estava alto, provavelmente já meio do dia. O mar não estava agitado. As ondas batiam suavemente nas rochas, abaixo da entrada da gruta.

Lilith pulou na água e pôs-se a nadar, rapidamente, para se afastar da ilha. Por instinto olhou para trás e viu os mergulhadores nadando rapidamente atrás dela. Lilith se assustou. Seu coração bateu descompassado. Pôs toda sua habilidade em ação e, por um curto espaço de tempo, os nadadores perderam a sereia de vista.

Tinha uma coisa muito estranha ali, Lilith sentia. Sentiu algo que a atraia de volta para a ilha, numa parte mais alta e mais rochosa. Na sequência da rocha entre o mar, a pedra seguia profundamente até ao fundo do mar. Lilith então, freneticamente, começou a revirar pedras, plantas, mariscos, ostras, coisas marítimas que formavam um lindo espetáculo aquático. Mas Lilith não conseguia enxergar a beleza exuberante daquele lugar. Só sentia uma forte angústia e uma necessidade gigante de encontrar algo.

Ouviu barulho: os nadadores a procuravam. Lilith entrou dentro de uma saliência da rocha, para se esconder. O lugar era muito escuro e cheio de algas, tanto na entrada quanto dentro. Um perfeito esconderijo. Lilith foi se aprofundando por aquela saliência rochosa, que cada vez mais a afastava da entrada.

Foi nadando entre a vasta vegetação marítima, onde peixes multicoloridos nadavam em grande quantidade. Alguns minúsculos. Tinha cavalos marinhos, que Lilith gostava de comer. Ia colhendo-os e lançando à boca, enquanto nadava mais e mais por entre a rocha aberta.

Quando percebeu o quanto se aprofundava a rocha, até se assuntou. E quanto mais nadava naquela abertura, mais notava que uma certa claridade ia surgindo, e as algas se tornavam multicoloridas, maravilhosamente coloridas. E de sabor espetacular.

Enquanto nadava, assustada ainda com os nadadores, Lilith se viu fora da rocha, entro de uma espécie de rio, ou lago. Era bem profundo o lugar que a rocha se abria ao lago.

O lago era translúcido. Água azulada, transparente. Lilith havia encontrado, sem querer, uma entrada submersa, para o centro da ilha.

Tão clara a água, e com sua capacidade visual privilegiada, Lilith pôde ver vários homens e cães em volta do lado de fora do lago. O que Lilith não sabia é que, aquele lago era o mesmo que adentrava à gruta. O lago da gruta continuava para fora, dando para o lado externo da ilha, onde agora, Lilith se encontrava.

Olhou toda a volta do lago e visualizou uma grande abertura, bem ao fundo, onde era a entrada para a gruta. Lilith se dirigiu para lá, rapidamente. Não podia subir à superfície.

Enquanto Lilith nadava de volta à gruta, tentava atinar como que a encontraram? Mal sabia ela que, durante todo o seu sono de agonia e dor, soltara o mais lindo e forte assobio de sua vida.

Um canto da sereia, foi realizado sem que ela soubesse. Tão maravilhoso e perfeito, que acalentou todos os corações das pessoas da ilha. Desde mulheres, crianças e homens. Todos se apaixonaram por aquele lindo, doce, profundo e triste som.

Passaram então a seguir o som e foi muito fácil encontrar de onde vinha, mesmo que distante da pequena cidade de pescadores, e de difícil acesso até o lago, mas sabiam que vinha da gruta.

A maioria dos jovens homens da cidade conheciam a gruta. Era para lá, muitas vezes, que levavam seus amores secretos, suas amantes. Os casos de amor, secretos, eram realizados nesse lindo lugar, longe de olhares curiosos e maldosos.

Era bem ali, naquele lindo lugar, que os casais apaixonados, de amores proibidos, iam para se amar.

Apesar disso, não era muito comum. A ilha tinha fama de que os homens se apaixonavam por suas mulheres e com elas se casavam. Raramente acontecia de haver uma traição. A ilha tinha alguma benção. Haviam lendas. Mas o que todos realmente sabiam era que na ilha, o amor era o grande mediador entre homens e homens. E as leis e os deveres e os direitos eram tranquilamente respeitados. E todos viviam em paz e harmonia.

Porém, quando começaram a ouvir o canto da sereia, a poucos dias, alguma coisa mudava dentro de todos. Sentiam amor, mas também sentiam dor, angústia, como nunca antes tinham sentido.

Todos, mesmo sem saber, compartilhavam da dor de Lilith, enquanto ela dormia em agonia, com seu canto sublime e encantador.

Lilith não sabia direito, mas seu sofrimento era de amor. Lilith sofria profundamente de amor. Algum amor que ela não sabia de onde vinha. E também não atinava porque ali, naquela ilha, esse sentimento se tornou tão mais forte e tão mais sofrido, ainda.

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Lilith Guerreira
Enviado por Lilith Guerreira em 02/12/2018
Reeditado em 02/12/2018
Código do texto: T6517356
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