Carta
Escrevi para ela uma carta longa.
Três páginas e meia, quase quatro. Tudo manuscrito.
Mas por fim, amassei os papéis e joguei no vaso sanitário.
Talvez fosse me arrepender disso depois,
Mas com o papel entupindo o encanamento,
e não pelas palavras afogadas.
Era o tipo de desperdício que eu estava acostumado a cometer,
tipo como quando eu passava meia hora debaixo do chuveiro,
com o aquecimento ligado. Só olhando pras paredes e deixando a água carregar a tensão do meu couro.
Da mesma forma eu deixava minhas palavras irem por água abaixo.
Depois do naufrágio da carta, eu me dei liberdade de me embriagar, mesmo sendo a madrugada de uma terça feira.
Era foda trabalhar de ressaca, mas era ainda mais foda estar sóbrio quando a mente não parava de pensar em merda.
Pelo menos estar bêbado me jogava pra longe da realidade enquanto durava a cerveja.
Eu me arrependia de não ter decorado o endereço dela,
pra poder bater em sua porta, mesmo sem saber o que lhe dizer ao certo.
E queria que ela soubesse que eu tinha pensado nela na última vez que trepei com alguém, por puro acaso, e que senti um vazio terrível me comendo por dentro...
uma solidão bem pior do que estar só.
Me perguntava se ela sentia o mesmo quando trepava com o seu rapaz,
e se pensava em mim alguma vez sequer.
O mais provável era que não.
E que se seguiriam ainda
muitas trepadas vazias de sentido
e outras cartas cheias de palavras
afundando no mesmo ralo de solidão.