Carta

Escrevi para ela uma carta longa.

Três páginas e meia, quase quatro. Tudo manuscrito.

Mas por fim, amassei os papéis e joguei no vaso sanitário.

Talvez fosse me arrepender disso depois,

Mas com o papel entupindo o encanamento,

e não pelas palavras afogadas.

Era o tipo de desperdício que eu estava acostumado a cometer,

tipo como quando eu passava meia hora debaixo do chuveiro,

com o aquecimento ligado. Só olhando pras paredes e deixando a água carregar a tensão do meu couro.

Da mesma forma eu deixava minhas palavras irem por água abaixo.

Depois do naufrágio da carta, eu me dei liberdade de me embriagar, mesmo sendo a madrugada de uma terça feira.

Era foda trabalhar de ressaca, mas era ainda mais foda estar sóbrio quando a mente não parava de pensar em merda.

Pelo menos estar bêbado me jogava pra longe da realidade enquanto durava a cerveja.

Eu me arrependia de não ter decorado o endereço dela,

pra poder bater em sua porta, mesmo sem saber o que lhe dizer ao certo.

E queria que ela soubesse que eu tinha pensado nela na última vez que trepei com alguém, por puro acaso, e que senti um vazio terrível me comendo por dentro...

uma solidão bem pior do que estar só.

Me perguntava se ela sentia o mesmo quando trepava com o seu rapaz,

e se pensava em mim alguma vez sequer.

O mais provável era que não.

E que se seguiriam ainda

muitas trepadas vazias de sentido

e outras cartas cheias de palavras

afundando no mesmo ralo de solidão.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 07/11/2018
Reeditado em 11/11/2021
Código do texto: T6496773
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