Bem aventurados
Ando tão agitada esses dias, não consigo lidar com esse barulho que vem agitando a cabeça, os sentidos e provocando crises de enxaqueca.
Costumo sair cedo, trabalhar e voltar feliz. Vou e volto cantando. Vou orando, na esperança de que dia vai ser bom e saio distribuindo quantos "Namastês" eu puder. Talvez seja atributo dos empatas.
Ao longo do dia vou matando os demônios de ontem que ficaram para o dia seguinte e selecionando os que terei de matar amanhã, num gerenciamento que tem facilitado muitas coisas mas, e tem sempre um "mas", não é sempre que consigo tal façanha.
Tenho exercitado a desconstrução de coisas que foram cimentadas em minha cabeça desde criança como o "certo absoluto". Mas, o mundo mudou muito e a adaptação não tem sido muito tranquila.
Essa plasticidade, essa velocidade, vem atropelando sentimentos antes tão amigos e que agora me fazem querer fugir para as montanhas. Não estou sabendo mais lidar com a falta de compaixão e olhos sem brilho.
Então, bem aventurados os que se deitam tranquilos e acordam serenos. Bem aventurados aqueles que conseguem liberar perdão, pois não estou sabendo mais. Não consigo mais.
A chuva não tem mais regado a terra. Não ouço mais o canto das cigarras ou o zumbido doce das abelhas. Há muito concreto nas cidades e nos corações. Ergueram pontes intransponíveis sobre abismos profundos.
Ouço mais gemidos de cansaço que o canto dos satisfeitos. Os abraços não confortam, esmagam, são assassinos. Quero acordar do pesadelo de dentro do sonho que me faz flutuar de esperança para me derrubar impiedosamente ao chão. Tortura.
Bem aventurados os que ainda creem.