Contos nublares #105: CADERNOS DOBRADOS, DE VOLTA AO PASSADO
Colhido por uma brisa matinal, sou transportado a 4 de março de 1965, Barbalha-CE. É uma quinta-feira, exatamente o dia em que fazia 14 anos.
São sete da manhã. Ainda sonolento, com a direita, cubro o ombro do colega à minha frente enquanto seguro minha pasta de livros e cadernos com a esquerda.
Estamos perfilados, próximo à minha sala de aula, quinta série primária. Dona Lisete Sampaio, à porta da sala, nos rege a cantarmos o Hino Nacional e a Canção do Dia:
Cantemos felizes,
A Canção do Dia
Hoje é quinta-feira,
Dia de alegria.
A Escola nos ensina
Que devemos trabalhar
O estudo é nossa vida.
Trabalhemos a cantar.
Cantemos felizes,
A Canção do Dia
Hoje é quinta-feira,
Dia de alegria.
Após isto, ordenadamente entramos sem o mínimo barulho ou brincadeira. Cada um de nós toma sua carteira. Uma cadeira anatômica, com uma grade de madeira sob o assento para guardarmos nosso material escolar. Uma tampa basculante desce à nossa frente, qual prancheta, apropriada tanto para destro quanto para canhoto.
A cada dia da semana, cantamos o dia específico e, ante de sairmos para o recreio, nova canção somos obrigados a cantar:
Cadernos dobrados,
Lápis no lugar.
A merenda na sacola
Que a sineta vai tocar.
Bem-lém, bem-bem! (3x).
Findo o recreio, retornamos aos exercícios de classe. Em seguida, a professora escreve na lousa o dever de casa. Dez minutos para terminarem as aulas do dia, uma inusitada surpresa. Adentram algumas colegas de outras classes, umas quatro, vestidas de branco, touca e luvas. São as meninas do Pelotão de Saúde. Compulsoriamente examinam um a um de nós. Nada passa desapercebido: mãos, unhas, cabelos, orelhas e colarinhos. Metem um palito com algodão envolvendo as pontas nos ouvidos. Ai de quem é flagrado com um dos itens inspecionados!. É repreendido, para exemplo, diante de todos.
Cada estação do ano, uma música específica para o encerramento das aulas do dia. Nesse caso, é verão, época das chuvas. No Sertão do Nordeste dizemos que é inverno, mas é verão mesmo. Assim, cantamos uma musiquinha sazonal para finalizar o dia:
Chegou o inverno, se foi o verão...
Vamos trabalhar, plantar algodão.
Cai, chuva, lá do céu!
Cai, chuva, no meu chapéu!
Está tudo verde, arroz pendoando,
A lagoa cheia, os sapos cantando.
Cai, chuva, lá do céu!
Cai, chuva, no meu chapéu!
Ainda está chovendo, enchendo a ribeira
A graúna canta, na carnaubeira
Cai chuva lá do céu!
Cai chuva no meu chapéu.
Então, é rezado um Padre Nosso e nos despedimos com um _ “Até amanhã, Professora!” _ Assim, termina mais um dia de rotina estudantil. Enquanto melancolicamente vejo essa cena, percebo que não mais estou lá, mas aqui, em minha rede na varanda.
Há tempo bom! Éramos felizes e não sabíamos o quanto éramos.